segunda-feira, 30 de novembro de 2009

ASPECTOS JURÍDICOS DA BUSCA PESSOAL

(Publicado na revista na Revista “A Força Policial”, nº 44, em 2004 e também no site "jus navegandi", em 2005, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9491 )

Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco

SUMÁRIO: 1. Posição da busca pessoal no ordenamento jurídico brasileiro 2. Autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais 3. Classificações da busca pessoal 4. A restrição de intimidade do revistado 5. Condições para o exercício da busca pessoal 6. O sujeito ativo da busca pessoal e a questão da revista privada. 7. Conclusões
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1. POSIÇÃO DA BUSCA PESSOAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Duas modalidades de busca foram especificadas no art. 240 do Código de Processo Penal brasileiro: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação que inevitavelmente impõe restrição de direitos individuais em qualquer das duas modalidades, a busca somente deve ser concretizada com critérios fundamentados na análise da lei, harmonizada aos dispositivos constitucionas aplicáveis à esse instituto.
Essencial, portanto, o estudo dos aspectos jurídicos do procedimento que traz conseqüências diretas ao processo, atendendo ao interesse da Justiça ainda que realizado, como na maioria das vezes, por iniciativa policial.
Os contornos legais das duas modalidades de busca são diferentes. A domiciliar é procedida quando autorizada por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o do próprio art. 240, para possibilitar alternativa ou cumulativamente oito ações relevantes ao processo (letras "a" a "h"), ao passo que a busca pessoal, que também pode ser denominada revista, é procedida quando há fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nos termos do parágrafo 2o do mesmo dispositivo legal. Observa-se nesse ponto que é possível uma maior flexibilidade na interpretação do vocábulo suspeita, que na interpretação do vocábulo razões.
Enquanto a busca domiciliar é limitada por critérios objetivos, de fácil percepção, definidos em um único e específico inciso do art. 5o, da Constituição Federal (inciso XI: A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial), impõe-se para a realização da busca pessoal a observação de garantias de prescrição genérica - ao máximo possível, levando-se em conta as naturais restrições de direitos decorrentes do ato -, quais sejam: o respeito à intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo, estabelecidas em pelo menos quatro dos incisos do mesmo artigo (art. 5º), da CF:
inciso III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz...;
inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Para a tutela da inviolabilidade domiciliar existe, inclusive, um tipo penal próprio, o do art. 150 do Código Penal, que trata da violação de domicílio. Não há, porém, tipo penal específico para a proteção da intimidade (no aspecto físico e pessoal e não domiciliar) e também para a intangibilidade do corpo, que são objetos jurídicos de sentido diverso da liberdade sexual. Utiliza-se, em geral, a descrição de abuso de autoridade, quando a conduta abusiva é praticada por agente público no exercício da função (Lei 4.898/65), ou de constrangimento ilegal (art. 146, do Código Penal), nos demais casos.
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2. AUTONOMIA DA BUSCA PESSOAL EM RELAÇÃO A OUTROS INSTITUTOS PROCESSUAIS.
Curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada com profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas apesar da relevância do tema, desconsiderando os autores o fato de que se procede a busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar. Raciocinemos no sentido de que a busca pessoal é sempre realizada no curso de busca domiciliar por conta de que, nessa circunstância, ela (busca pessoal) independe de ordem judicial; ou seja, toda vez que ocorre busca domiciliar normalmente realiza-se a busca pessoal (que não é obrigatória, mas sempre legítima e recomendável nesse caso).
Por outro lado, nem sempre quando é realizada busca pessoal se faz a domiciliar, uma vez que esta, conforme mencionado, vincula-se a condições objetivas e portanto mais restritas, quais sejam: durante o dia, mediante cumprimento de mandado judicial ou realizada pela própria autoridade; e, à qualquer hora, somente com o consentimento do morador (tecnicamente, o procedimento de busca domiciliar não se confunde com a situação excepcional de entrada em domicílio justificável em razão de flagrante delito, prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF).
A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida, além da verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. Mais sensato seria, inclusive, que a lei processual penal brasileira regulasse a busca pessoal em capítulo próprio, considerando-se a particular restrição de direitos individuais imposta, especialmente quanto a intimidade do revistado. Ao contrário, hoje o que se verifica é um tratamento secundário no Código de Processo Penal, que aproveita parte dos dispositivos relacionados à busca domiciliar para descrever a busca pessoal.
Além da separação das modalidades de busca, deve ser estabelecida uma completa desvinculação entre o procedimento da busca e o da apreensão - que se trata de instituto diverso - como já observado por exemplo no Código de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, no Código de Processo Penal português, de 1987 e no Código de Processo Penal italiano, de 1988. Ocorre que, na tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua conseqüência ou mesmo o seu único propósito e não concordamos com essa linha de interpretação. Há apreensão sem busca, por exemplo, no caso de objeto voluntariamente entregue ou ocasionalmente encontrado e, com maior freqüência, há busca sem apreensão.
Destacamos a importância do reconhecimento da autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais, em razão de suas características próprias, justificando-se análise específica sobre o tema. Na verdade, a busca pessoal é simplesmente "procura" por algo relevante ao processo penal - com efeito preventivo extraordinário -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de seu veículo desde que este não lhe sirva de moradia.
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3. CLASSIFICAÇÕES DA BUSCA PESSOAL
A busca pessoal deixa o plano teórico para materializar-se durante o ciclo completo de polícia, antes e durante o ciclo da persecução criminal, este abrangendo desde a repressão imediata da infração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator. Não é exagerada essa afirmação vez que se verifica, por exemplo, até mesmo na fase de execução da pena a particular situação de revista realizada em presos ou em pessoas interessadas em visitá-los, ainda que seja considerada tal busca, no caso específico, atividade policial de apoio ao Poder Judiciário.
A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade policial. Possui, portanto, natureza processual, enquanto meio de obtenção da prova, para atender ao interesse do processo e tem natureza preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da ordem pública, como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar conseqüências no âmbito do processo penal.
Distinguem-se, assim, duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, de acordo com o momento em que é realizada, bem como de acordo com a sua finalidade. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é procedida por iniciativa de autoridade policial e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com finalidade preventiva. Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que em seqüência de busca preventiva, tenciona atender ao interesse processual, para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou à defesa do réu (alínea "e", do § 1º, do art. 240 do CPP).
A busca pessoal é realizada de dois modos: preliminar ou minucioso. O grau de rigor dispensado ao ato da revista, com a imposição de maior ou menor restrição de direitos individuais, é o fator de distinção entre essas duas espécies de busca pessoal, configurando-se preliminar (superficial) ou minuciosa (íntima), conforme o caso.
A busca pessoal preliminar normalmente antecede à eventual busca minuciosa, particularmente quando de caráter preventivo, ou seja, a busca mais rigorosa poderá ser conseqüência de uma superficial, dependendo do seu resultado; por esse motivo é denominada preliminar. De outro lado, o que caracteriza a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos (por isso também é conhecida como "revista íntima"), além da verificação cuidadosa de todos os objetos e pertences por ele portados. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha, em vista do elevado nível de restrição de direitos individuais imposta ao revistado, especialmente quanto à sua intimidade.
Nos limites da busca pessoal preventiva, ocorre a denominada busca pessoal coletiva (que contrasta com a convencional busca pessoal individual). Na condição de medida excepcional, é tolerável em benefício do bem comum, a exemplo da busca pessoal preliminar procedida por policiais militares em todos que pretendem entrar em um estádio de futebol. Essa espécie de busca é realizada em entrada de eventos públicos ou em situações específicas (por exemplo, em todos os réus presos antes de serem escoltados).
Indiscutivelmente, porém, a busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. Aliás, inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I, do art. 243, do CPP.
Quanto à existência ou não de contato físico entre o agente e o revistado (tangibilidade corporal) a busca pessoal será classificada como direta ou indireta.
De fato, nem sempre é necessária a tangibilidade corporal. Uma busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo, por meio de dispositivos eletro-magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado não é tocado, razão pela qual adotamos a denominação busca pessoal indireta para esse procedimento (no contexto da busca pessoal preliminar).
A tecnologia tem trazido, inclusive, várias inovações nesse setor, aperfeiçoando o sistema de detecção para muito além do simples uso do recurso eletromagnético. Já existem túneis que disparam jatos de ar comprimido para coleta e análise imediata de micro-partículas e também complexos mecanismos de "raio-X", além de outros equipamentos em operação especialmente nos Estados Unidos após a tragédia que ficou conhecida como o "11 de setembro".
Trata-se da mais discreta, e hoje comum, revista praticada na entrada de ambientes públicos, em que o interesse comum impõe maior garantia de segurança aos seus freqüentadores, a exemplo daquela realizada na entrada de estabelecimentos prisionais, na entrada de Fóruns (pelo exercício do poder de polícia do Juiz Diretor do Fórum ou de autoridade policial-militar em atividade de policiamento preventivo), sob responsabilidade de autoridades e na área de embarque de aeroportos (por iniciativa da Polícia Federal).
A propósito da busca pessoal indireta, a lei federal nº 10.792, de 1o de dezembro de 2003, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, consignou em seu artigo 3o que os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Nesse caso, além de garantir maior segurança aos próprios custodiados, funcionários e visitantes do estabelecimento, o procedimento imposto evita a entrada de objetos que possam facilitar eventuais tentativas de fugas ou resgates de presos.
Portanto, em resumo, a classificação apresentada é a seguinte:
a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual;
b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto verificam-se a busca pessoal preliminar e a busca pessoal minuciosa;
c. quanto ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal individual e a busca pessoal coletiva;
d. quanto à tangibilidade corporal, a busca pessoal direta e a busca pessoal indireta.
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4. A RESTRIÇÃO DE INTIMIDADE DO REVISTADO
A questão da preservação da intimidade e da integridade física e moral do indivíduo projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos pessoais, também deve ser objeto de estudo no contexto da busca pessoal.
Ao tratarmos do assunto, lembramos automaticamente das buscas pessoais minuciosas procedidas, por exemplo, em pessoas envolvidas em tráfico de entorpecentes (buscas baseadas em fundada suspeita ou em caso de flagrante), que são realizadas com cuidadosa observação inclusive das cavidades corporais do revistado. Constatamos a utilidade, a necessidade e a adequação do procedimento, vez que usualmente são ocultadas substâncias entorpecentes em espaços do corpo, impondo-se a sujeição do revistado a uma condição de total exposição física, imprescindível em tal circunstância. Já outras situações podem ensejar uma busca pessoal superficial para rápida verificação, por exemplo, de porte de arma.
Significa dizer que existem diversos níveis de busca pessoal, verificados de modo proporcional ao fator de sua motivação em cada caso particular, decorrendo, obviamente, maior ou menor nível de restrição de direitos individuais. Essa percepção está estritamente vinculada ao momento da realização da busca pessoal, bem como a sua finalidade e ao grau de suspeita, verificadas as circunstâncias do caso concreto.
A tangibilidade corporal é aspecto importante em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na situação de submissão do revistado a toque de pessoas estranhas, se realizada de modo direto. Na busca pessoal preliminar convencional, o agente utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos que devem ser treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior em razão de estar sem roupa, a tangibilidade corporal tende a ser menor e utiliza-se muito mais o sentido da visão.
Ainda quanto à questão do contato corporal, ocorre com a busca pessoal o fenômeno da aceitação do procedimento por convenção social, observando-se, todavia, algumas restrições. São intoleráveis condutas de desrespeito à intangibilidade corporal, como por exemplo: a realização da busca pessoal em razão da simples vontade do agente em realizá-la e tatear o corpo alheio; o excessivo e insistente tateamento em partes determinadas do corpo da pessoa revistada; e a conduta de policial masculino que procede à busca pessoal em mulher, havendo policial feminina disponível para tal finalidade e o contrário também, em vista de que, pelo tratamento igualitário, mulher não deve revistar homem na disponibilidade de policial masculino.
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5. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA BUSCA PESSOAL
De fato, é mais fácil reconhecer e colocar em prática as limitações objetivas da busca domiciliar, aplicáveis em vista do espaço físico que abriga o lar, como regras claras e assecuratórias da denominada "inviolabilidade domiciliar", do que compreender e observar as limitações não objetivas aplicáveis em vista do próprio corpo daquele em quem se realiza a busca, num amplo espectro de situações. Esse corpo, aliás, que é o verdadeiro sacrário da dignidade humana, onde ela se expõe e a partir de onde ela se projeta. Seguindo esse raciocínio, avançaremos para um novo conceito: o da "inviolabilidade pessoal", concluindo que ela não é absoluta, tal como a domiciliar e como quaisquer outros direitos ou garantias individuais.
O tema é capaz de provocar calorosas discussões, eis que a busca pessoal independe de ordem judicial nas três situações previstas no art. 244 do Código de Processo Penal, quais sejam: 1. no caso de prisão; 2. quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e 3. no curso de regular busca domiciliar (pressupondo-se, nesse caso, ordem judicial para a busca em domicílio). E ainda podemos a elas somar mais duas circunstâncias que tornam prescindível o mandado judicial, sendo elas: 4. quando houver consentimento daquele a quem se pretende revistar e, por uma questão de lógica, 5. quando a busca for realizada pela própria autoridade judiciária. Casos de ordem judicial específica para busca pessoal são raros, exatamente por ela não ser necessária nas hipóteses ora relacionadas.
A caracterização ou não da segunda circunstância eximente de mandado judicial, a fundada suspeita, resulta da particular análise do responsável pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente definidas. No caso da busca pessoal preventiva, motivada pela fundada suspeita, sua realização baseia-se na experiência profissional, no exercício do poder discricionário, por uma capacidade de percepção diferenciada adquirida durante o desenvolvimento constante da atividade policial, que possibilita a identificação de condutas suspeitas e situações que justificam a abordagem e a revista, mediante avaliação de probabilidade de prática ou iminência de prática delituosa. A competência do agente, os fins, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto constituem exatamente os limites impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade no seu exercício. Tratando-se de busca preventiva, a partir do momento da localização de objeto que identifique a prática ou iminência de prática de delito, passa o procedimento a ter interesse processual e, consequentemente, a ser regulado, junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma processual penal. A busca pessoal, nesse sentido, constitui ponto de convergência entre o Direito Administrativo e o Direito Processual Penal, observando-se que, ao iniciar a revista - em princípio de caráter preventivo -, o policial não sabe se encontrará ou não objeto relacionado a prática delituosa, ainda que impulsionado por avaliação de probabilidade, no caso da fundada suspeita.
Qualquer que seja a espécie de busca pessoal, forma e meio empregado, resultará restrição de direitos individuais, em nível variável conforme as circunstâncias em que é realizada, impondo-se como dever público, por outro lado, o respeito à dignidade do ser humano. Portanto, a busca pessoal deverá sempre ser orientada pela análise da estrita necessidade do seu emprego, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, finalmente, pela eficácia da medida, que deve ser adequada para impedir prejuízo ao interesse público.
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6. O SUJEITO ATIVO DA BUSCA PESSOAL E A QUESTÃO DA REVISTA PRIVADA
O sujeito ativo da busca pessoal (o agente), também denominado buscador, é aquele que procede a revista, ou detém o seu controle mediante uso de dispositivos eletrônicos, mecânicos, ou de animais, ou por qualquer outro meio imaginável. A busca pessoal somente poderá ser realizada por agentes públicos em cumprimento a específica ordem judicial ou, então, sem ordem judicial, desde que possuam atribuição de prevenção ou investigação criminal, qualificados pelo exercício do poder de polícia. Em razão de sua fórmula procedimental, a diligência constitui atividade de caráter tipicamente policial, mesmo que destinada exclusivamente à colheita de provas para a instrução do processo.
Somente os agentes públicos que possuem a função constitucional de garantir a segurança pública, bem como de investigar ou impedir a prática de crime são autorizados a realizar busca pessoal independente de mandado judicial nas condições estabelecidas pelo art. 244 do Código de Processo Penal (nos casos de prisão, de fundada suspeita ou no curso de regular busca domiciliar). Portanto, os integrantes das guardas municipais que mantêm vigilância nas instalações e logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão-somente a guarda patrimonial, nos termos do par. 8o, do art. 144, da Constituição Federal, não podem realizar busca pessoal ou qualquer outra atividade própria de polícia, por falta de competência legal. Indiscutível, todavia, que na ocorrência de flagrante podem prender e apreender pessoa e coisa objeto de crime, tanto quanto qualquer do povo pode, conforme art. 301 do CPP, em situação extraordinária e, portanto excepcional à regra, no caso de prisão.
Da análise do sujeito ativo surge um tema polêmico: a questão da legalidade da denominada "revista privada" (de forma direta ou indireta) imposta como condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares. Trata-se de procedimento superficial realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal ato nunca poderá ser chamado busca pessoal ou simplesmente revista (que é sinônimo de busca pessoal, como já visto), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Por isso escolhemos a expressão revista privada para a sua denominação.
Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, na ausência de regulamentação específica sobre a matéria. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de vontades razoável em face da realidade da vida moderna em grandes cidades.
Notório que o novo modo de vida em sociedade, de acentuada concentração urbana, tem provocado medidas de iniciativa particular na área de segurança, cada dia mais freqüentes e que trazem certo desconforto, como por exemplo, câmaras filmadoras espalhadas em ambientes abertos ou fechados e portas giratórias e detectores fixos em bancos e outros estabelecimentos privados, toleradas em razão de sua reconhecida utilidade.
No entanto, sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade que impõe novas fórmulas de convivência, para que não seja configurado o constrangimento ilegal na revista privada de forma direta (com tangibilidade corporal), há dois aspectos que devem ser rigorosamente observados: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe seu prévio conhecimento quanto à imposição do ato e sua forma.
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7. CONCLUSÕES
A busca pessoal é caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal - além do seu particular aspecto de prevenção criminal -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de veículo, considerando-se a busca veicular como extensão da revista. Em face da inevitável restrição de direitos individuais, somente é desenvolvida em cumprimento a ordem judicial ou por iniciativa de agentes públicos investidos de necessária autoridade policial.
Possui natureza processual enquanto meio de obtenção do que for relevante à prova de infração penal, ou à defesa do réu; e tem natureza preventiva, quando realizada por iniciativa policial para a preservação da ordem pública, podendo nesse caso igualmente ensejar reflexos no processo. Portanto, são identificadas duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, conforme o momento em que é realizado o procedimento e conforme a sua finalidade. Antes da constatação do delito, constitui ato legitimado pelo poder de polícia, na esfera de atuação preventiva da Administração Pública; após, objetiva atender ao interesse processual.
São dois os modos de realização: preliminar (revista superficial) ou minucioso (revista íntima), considerado o grau de rigor dispensado. A busca preliminar pode ser realizada sem contato corporal; trata-se da busca pessoal indireta, ou seja, com auxílio do faro de animais, equipamentos eletro-magnéticos ou outros meios. A tangibilidade corporal, todavia, é recurso normalmente utilizado e aceito, observadas as limitações impostas pelos critérios de necessidade e razoabilidade da medida.
É inadmissível busca pessoal mediante mandado sem a individualização do sujeito passivo, concluindo-se que a busca pessoal individual constitui regra. Na esfera preventiva, porém, pode ocorrer a denominada busca pessoal coletiva, como medida excepcional necessária ao bem comum, na entrada de eventos públicos, ou em situações específicas como a revista realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados. Essa busca pessoal coletiva não se confunde com o procedimento particular imposto como condição de acesso a estabelecimentos privados, ora denominado revista privada, consentido por acordo de vontades e aceitável desde que caracterizado pela superficialidade e não-seletividade.
A busca pessoal, como ato legítimo de competente autoridade, deve ser orientada pela análise da estrita necessidade do ato, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, também, pela eficácia da medida, que deve ser adequada ao seu propósito, para atender ao interesse público.
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A experiência do programa “Indiferença Zero”, em Assis/SP (“Tolerância Zero”)


No final do mês de junho de 2009, os novos comandantes das polícias militar e civil da região de Assis, iniciaram o planejamento de ação conjunta e imediata para enfrentar os elevados índices de criminalidade local.
A sociedade já havia se mobilizado e provocado diversas manifestações de grave descontentamento, cobrando medidas enérgicas, culminando com uma inédita passeata no centro da cidade, no mês de abril, em que milhares de pessoas se expressaram em favor da paz e da segurança. Notava-se um ambiente favorável a inovações, uma surpreendente reação e envolvimento da comunidade e de suas lideranças e o apoio dos representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário. Era, portanto, um momento de desafio para a Polícia mostrar a sua capacidade e vontade de transformação, razão pela qual, se elaborou uma estratégia audaciosa de ação integrada, a partir de um diagnóstico preliminar.
Foram apontados quatro eixos, representando os mais graves problemas regionais: o roubo, que traz o componente de violência junto com a subtração de patrimônio, deixando intensa sensação de impotência e de insegurança; o tráfico de drogas, que fomenta os demais crimes; o furto de veículos, que apresentava índices alarmantes, em face do surgimento da prática de cobrança de resgate para devolução do bem à vítima e, finalmente, a questão da desordem social, pois diversas infrações, que não constituíam propriamente crime, vinham sendo praticadas no espaço público, resultando em sentimento de impunidade. Nessas reuniões preparatórias, e em outras complementares, acordou-se que várias frentes de ação seriam desenvolvidas em conjunto, dentre elas:
1. a indicação de custódia a menores infratores reincidentes, explorados como linha de frente na prática criminosa e que vinham assumindo a autoria na certeza de que permaneceriam livres pela sua inimputabilidade. Para isso seria necessário o convencimento de outras autoridades envolvidas na questão, com a manifestação favorável do Conselho Tutelar, do Ministério Público e do Poder Judiciário;
2. o aumento expressivo das abordagens com buscas pessoais preventivas e o desenvolvimento de pelo menos quatro bloqueios diários pela Polícia Militar, com buscas veiculares voltadas especialmente a motociclistas (em razão do uso sistemático de motocicletas para o crime de roubo);
3. otimização do policiamento com motos (programa ROCAM) e a fiscalização constante em estabelecimentos de mototáxis (“Operações Mototáxis”) em razão de que muitos motociclistas desses estabelecimentos utilizavam indevidamente o exercício da profissão para o tráfico de drogas;
4. a identificação de pessoas conhecidas pela contumaz vadiagem e prática de delitos diversos (extorsão na guarda de veículos, pequenos furtos, perturbação do sossego etc.), conhecidos pela comunidade local, com preenchimento de boletim de ocorrência para cadastramento, encaminhamentos aos órgãos de assistência social ou, ainda, eventual responsabilização por contravenção penal;
5. a coibição rigorosa da prática de perturbação do sossego público, particularmente aquela causada pelo uso de som em altos níveis no centro da cidade por veículos particulares, com a apreensão de carros e equipamentos após constatação de volume com decibelímetro oficializado;
6. o desenvolvimento de operação específica de fiscalização de bares (“Bares Irregulares”), com foco naqueles conhecidos como pontos de venda de drogas e que se encontram em situação irregular perante o município, objetivando também as responsabilizações por infrações administrativas no campo da vigilância sanitária e fiscal;
7. o apoio ao trabalho de fiscalização dos Conselheiros Tutelares do município quanto à presença de menores em ambiente inadequado e a venda de bebidas alcoólicas;
8. a otimização nos trabalhos relacionados à inteligência policial no processamento de informações recebidas, em trabalho harmonioso com a Polícia Civil local, deixando-se para trás qualquer histórico negativo ou diferenças pontuais que não podem interferir no objetivo final do trabalho conjunto;
9. o desenvolvimento de reuniões e o delineamento de estratégias com Promotores de Justiça do GAECO e Delegados de Polícia Federal, atuantes na região, para viabilizar a prisão de líderes do tráfico de drogas;
10. o levantamento de pontos de consumo-tráfico e produção de documento encaminhado aos representantes locais do Ministério Público, objetivando providências da Prefeitura (limpeza, luz, responsabilização, interdição etc.). Ainda, nesse mesmo sentido, a intensificação do preenchimento dos chamados RAIIA (Relatório de Averiguação de Indícios de Infração Administrativa) e o encaminhamento desse instrumento de registro aos órgãos competentes para providências devidas;
11. a busca do aumento das capturas de procurados com mandado de prisão, com acompanhamento diário dessas ações por parte do Comandante de Batalhão e de Companhia, procurando-se a obtenção ágil dos mandados judiciais recentes, especialmente os criminais, para tirar rapidamente de circulação pessoas que podem vir a praticar outros delitos;
12. a expedição diária de propostas de pauta e notas de imprensa referentes às realizações do policiamento na região, especialmente no município de Assis, para divulgação de notícias positivas, ocupando o espaço de forma benéfica à imagem institucional, além de emissão diária de boletim informativo, com ocorrências de destaque (e imagens), além de atendimento especial e individualizado às equipes de reportagem.
13. a adoção de instrumentos novos de motivação, dentre eles o “Café da Manhã com o Comandante”, no âmbito do Batalhão de Assis, com freqüência semanal, em razão do grande número de boas ocorrências (prisões e capturas, especialmente), que mereceriam o reconhecimento público e homenagem aos policiais. Ainda, no campo motivacional, reuniões freqüentes com o efetivo e envolvimento pessoal dos Oficiais e Graduados comandantes no acompanhamento das ocorrências e no desenvolvimento das estatísticas, tanto no aspecto dos índices criminais, quando dos indicadores operacionais.
Foram tantas as idéias e ações colocadas em prática nesse programa, com movimento intenso e visibilidade dos órgãos policiais, que o nome “Tolerância Zero” surgiu espontaneamente como referência informal à famosa estratégia da década de 90, praticada na cidade de Nova Iorque (EUA). A imprensa e a própria comunidade adotaram esse título; porém, o mais adequado seria chamar o programa assisense de “Indiferença Zero” porque a sua grande virtude é o despertar dos agentes públicos - e também a comunidade - para não aceitar infrações e pequenos delitos como algo normal, envolvendo a sociedade em uma grande corrente pela tranqüilidade pública, resultando na prevenção aos delitos mais graves. Essa abrangência parte da constatação de que, a partir de uma pequena transgressão, surge um conflito que pode evoluir para a prática de um crime grave.
Os resultados dos primeiros 30 dias do programa em funcionamento apresentaram conquistas extraordinárias na área de segurança pública local. Com o fechamento estatístico do período foi possível comprovar que caíram, no âmbito do município de Assis, os roubos de 33 para 17 e os furtos de veículo, de 12 para 7, ao mês (o delito vinha atingindo picos de mais de 20 ao mês), mantendo-se estáveis o número de furtos em geral (133) e de roubos a veículos (3). Por outro lado, no mesmo período, a polícia alcançou uma produtividade histórica: foram 30 prisões em flagrante, com mais 40 pessoas presas (contra a média de 12 ao mês em 2008); 27 condenados capturados (contra a média de 07 ao mês); 5 armas de fogo e 15 armas brancas apreendidas (contra 1 e 3, respectivamente, no mês anterior). Durante o mesmo mês de julho, ainda, foram custodiados 32 menores infratores apreendidos em situação de flagrante, fichados 51 indivíduos por vadiagem, apreendidas 56 máquinas de aposta ilegal, apreendidos 21 veículos pela perturbação de sossego e apreendidos mais de 15 Kg de drogas, com 11 ocorrências com prisões por tráfico de drogas. Os policiais mantiveram o mesmo nível de ação, a partir de então, motivados pelos resultados alcançados.
Os meses seguintes confirmaram a correta direção escolhida, diante da avaliação dos índices criminais e dos indicadores operacionais, no fechamento do terceiro trimestre do ano, em comparação com os períodos anteriores. De fato, a Polícia Militar imprimiu um ritmo forte na atividade preventiva, mais que dobrando a quantidade de busca pessoais e veiculares e atingindo 4.387 abordagens e 464 autuações de infração de trânsito o que comprovou a motivação do seu efetivo. A Polícia Civil superou suas metas no campo da investigação dos crimes e na prisão de criminosos, o que comprovou também o seu entusiasmo com a efetividade da ação policial, a partir de julho de 2009. Os chamados ao número 190 (emergência policial) aumentaram em 25%, o que demonstra a elevação do nível de confiança da população na intervenção policial em casos de suspeita e averiguação, trazendo importantes informações para a atividade preventiva. A comunidade se envolveu com o trabalho policial.
A ação integrada da polícia em Assis acabou ganhando repercussão nacional pela incomum coibição à prática de vadiagem, que significa apenas uma das frentes de ação adotadas, não necessariamente a mais importante, levando-se em conta a diversidade das iniciativas desenvolvidas, no conjunto da atuação policial local, conforme demonstrado. Sobre essa questão, inclusive, diversas autoridades reconheceram que não há qualquer abuso ou ilegalidade no trabalho policial (inclusive OAB e representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário local), inexistindo até o momento registros ou reclamações de excessos.
Pesquisas de opinião da imprensa local, manifestações do Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG), do Conselho Comunitário de Segurança de Bairro (CONSEG Vila Prudenciana) e do Conselho Municipal de Segurança Pública (COMSEP), recém criado em Assis, têm demonstrado que a população aplaude as práticas estritamente legais adotadas e deseja a continuidade do trabalho policial no nível experimentado, com o aumento notável da sensação de segurança local.
Já no fechamento do trimestre (julho, agosto e setembro de 2009) notou-se um avanço no controle da criminalidade pela somatória dos dados dos treze municípios que integram a área do 32º BPM/I (Batalhão da Região de Assis), indicando redução: de 50% nos homicídios; de 28,93 % nos roubos; de 10,25 % nos furtos; de 43,48 % nos roubos de veículos; e de 53,62 % de furtos de veículos. Ainda, notou-se que em algumas cidades de porte intermediário (em relação à Assis) como Maracaí e Palmital (da área do Batalhão) registrou-se aumento dos casos de furtos e roubos, apesar da queda dos índices no cálculo geral do Batalhão, o que indica uma clara migração da ação criminosa. Diante disso, o planejamento de emprego das equipes de Força Tática, de Canil e ROCAM (programa de policiamento com motocicletas) contemplou ações específicas em municípios menores (que não têm sede de Companhia, no âmbito do Batalhão), a fim de eliminar focos localizados e recentes de criminalidade. A Unidade colocou, desse modo, em prática a chamada “Operação Força-Tarefa Itinerante”.
Avalia-se, finalmente, que existe ainda muito trabalho a realizar para que se conquiste uma perene sensação de segurança e o controle, em período mais amplo, dos níveis de criminalidade. Parece utópico, mas, na verdade, a violência que gera o crime, será banida somente quando existir prevenção primária, o que significa oportunidades de crescimento saudável, educação e atendimento de necessidades básicas. Com essa consciência, os policiais atuantes na região vêm cumprindo o seu papel com notável empenho, ou seja, fazendo sua parte no complexo conjunto de ações capazes de trazer maior tranqüilidade à comunidade local.
Autor: Adilson Luís Franco Nassaro

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A VOZ DE PRISÃO EM FLAGRANTE

Publicado na Revista “A Força Policial”, nº 47, em 2005 e também no site "jus navegandi", em 2005 - igualmente disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9483

Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco

Sumário: 1. A "voz" no contexto da prisão em flagrante. 2. O procedimento policial classificado como ato complexo. 3. Conteúdo da voz de prisão em flagrante. 4. Soluções para eventuais divergências de decisões entre órgãos policiais. 5. Quando não cabe a voz de prisão em flagrante. 6. Situações particulares de cabimento.

1. A "voz" no contexto da prisão em flagrante.
A prisão em sentido amplo significa privação de liberdade de locomoção, mediante ato que impede o exercício do "direito de ir e vir" protegido pela Constituição Federal.1 Valorizando o direito individual, o mesmo texto constitucional caracterizou a prisão como medida excepcional, possível somente na situação de flagrante delito ou por ordem judicial, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei 2.
A classificação básica de prisão, no estudo do processo penal, compreende duas espécies: a prisão-pena e a prisão sem pena. A primeira, de finalidade estritamente repressiva, decorre de sentença condenatória que impõe privação de liberdade, com trânsito em julgado; a segunda, denominada provisória, possui natureza cautelar e é identificada como uma dentre cinco modalidades possíveis, quais sejam: prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão resultante de pronúncia, prisão resultante de sentença penal condenatória, ou prisão temporária.
Mas vamos nos aprofundar na análise da prisão, pois a classificação básica (com ou sem pena) ainda não se mostra suficiente para compor as variáveis da privação da liberdade de locomoção, revestida de legitimidade pelo ordenamento jurídico. Possível, em novo horizonte, identificar basicamente três significados jurídicos da palavra "prisão", acompanhando o raciocínio de Julio Fabbrini Mirabete: "... pode significar a pena privativa de liberdade (prisão simples para autor de contravenções; prisão para crimes militares, além de sinônimo de reclusão e detenção), o ato da captura (prisão em flagrante ou em cumprimento de mandado) e a custódia (recolhimento da pessoa ao cárcere)" 3.
Vistos esses conceitos e classificações acadêmicas do ato legal que impede o exercício do "direito de ir e vir", caminharemos para o tema principal desse estudo, inserido no contexto da prisão sem pena. A "voz de prisão em flagrante" constitui ato desenvolvido por policial ou por qualquer pessoa que surpreende ou presencia outrem em conduta legalmente definida como infração penal, ou na seqüência da referida conduta, em situação denominada estado de "flagrante delito". Nesse momento dá-se a prisão-captura (a "detenção") daquele que se tem como autor da infração, em ato preparatório da prisão-custódia (recolhimento ao cárcere). No instante da prisão, o sujeito ativo - o que tem a iniciativa da captura - profere algumas breves palavras, que dão publicidade à sua ação e, com isso, garante a ciência ao sujeito passivo (infrator) e de quem mais esteja presente, objetivamente sobre a privação de liberdade que está impondo como conseqüência de tal intervenção.
Conforme verificado, a prisão em flagrante foge à regra da "prisão somente mediante mandado judicial", já ressalvados os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, e por isso o procedimento desperta atenção desde a sua gênese, com a "voz de prisão", que caracteriza a captura, até o recolhimento do conduzido ao cárcere (custódia), posto que inteiramente desenvolvido na esfera administrativa de atuação do Estado.
Nota-se que o controle judicial dá-se a posteriori, ainda que imediatamente após a custódia, oportunidade em que o Estado-juiz avalia se estão presentes as condições para a permanência da privação de liberdade sem pena, ou seja, da prisão provisória, amoldadas à lógica das duas clássicas expressões latinas: fumus boni juris (fumaça, evidências da realização do bom direito) e periculum in mora (perigo pela demora da prestação jurisdicional) que sustentam a continuidade de tal prisão ou a adoção de qualquer outra medida de natureza cautelar.
Certo que também se dá a voz de prisão no cumprimento de ordem escrita de autoridade judiciária competente, quando da realização de prisão-captura após o decreto de prisão preventiva, por exemplo, ou quando da localização de condenado foragido. Porém, desperta mesmo interesse a voz de prisão em flagrante delito em razão da iniciativa policial, ou até popular, capaz de imediatamente privar a liberdade alheia, trazendo grave restrição de direitos individuais que, somente após a lavratura do auto - se confirmada a voz de prisão pela autoridade policial competente -, será submetida à análise de autoridade judiciária.
Por fim, o Código de Processo Penal Militar (CPPM, Decreto-lei nº 1.002/69), que é a fonte mais próxima para suprir eventuais lacunas da norma processual penal comum, tratou especificamente do ato de captura, no contexto das disposições gerais sobre a prisão provisória, caracterizando a voz de prisão, conforme art. 230, ex vi:
"Art. 230. A captura se fará:
Caso de flagrante
a) em caso de flagrante, pela simples voz de prisão;
Caso de mandado
b) em caso de mandado, pela entrega ao capturando de uma das vias e conseqüente voz de prisão dada pelo executor, que se identificará".

2. O procedimento policial classificado como ato complexo.
De acordo com a análise de Tales Castelo Branco, a prisão em flagrante é ato estatal de força, classificado como uma modalidade de prisão cautelar de peculiar característica, sob o seguinte raciocínio: "É prisão porque restringe a liberdade humana; é penal porque foi realizada na área penal; é cautelar porque expressa uma precaução, uma cautela do Estado para evitar o perecimento de seus interesses; e é administrativa porque foi lavrada fora da esfera processual, estando, portanto, pelo menos no momento de sua realização, expressando o exercício da atividade administrativa do Estado."4.
De fato, deve-se estudar a prisão em flagrante como um procedimento de natureza policial, posto que não resultante de provimento jurisdicional, e que impõe relevante efeito jurídico apesar de seu desenvolvimento na esfera administrativa, conforme demonstrado. Assim, partindo-se da teoria dos atos administrativos, pode-se classificá-lo (o procedimento) como ato complexo quando engloba fases de atuação de distintos órgãos policiais, caracterizado pela convergência na formação da vontade em suas manifestações5.
A voz de prisão em flagrante é a primeira etapa do procedimento policial que trará conseqüências na atuação da Justiça Criminal; é marca inicial, portanto, do ciclo da persecução penal, em razão da constatação da prática de infração penal ainda revestida do caráter de flagrância. Importante observar que a privação da liberdade de locomoção do sujeito passivo - aquele que recebe a voz de prisão - já ocorre desde o momento dessa prisão-captura, ainda antes do seu recolhimento ao cárcere (prisão-custódia).
Via de regra o procedimento policial da prisão em flagrante desenvolve-se em dois momentos, ou etapas, conforme indicado: primeiro a constatação da prática de infração penal no estado de flagrante delito, oportunidade em que o responsável pela prisão-captura dá a voz de prisão, para então conduzir o preso, juntamente com as testemunhas e ofendido (logicamente, se pessoa física diversa de si próprio) até a presença da autoridade competente para a autuação, ou seja, para a lavratura do auto de prisão em flagrante. A etapa da formalização constituirá o segundo momento do procedimento, ocasião em que o presidente do auto confirmará a voz de prisão já proferida. A exceção fica por conta da hipótese prevista no art. 307 do CPP e, simetricamente, no art. 249 do CPPM (esfera penal militar) em que a própria autoridade que tem competência para autuar presencia, no exercício de suas funções, a prática de infração penal - que pode inclusive ser contra ela praticada -, circunstância que o habilita a dar a voz de prisão e, incontinente, presidir o auto de prisão sem a figura do condutor, em um procedimento caracterizado pela concentração de atos e pela declaração de vontade de apenas um órgão6.
Em consonância com o entendimento indicado, sobre os dois momentos, ou etapas que podem ser desenvolvidas por órgãos distintos, o Des. Damião Cogan, em estudo sobre a prisão em flagrante de membros do Ministério Público e magistrados, enfatizou que "a prisão em flagrante e a lavratura do auto de prisão em flagrante delito são coisas diversas" e concluiu, com base na Leis Orgânicas dos respectivos órgãos, que em casos de crime inafiançável "a prisão poderá ocorrer por autoridade policial sendo, todavia, que a lavratura do auto de prisão em flagrante, que consiste na colheita da prova indiciária, portanto, investigação do delito, só pode ser realizada pelo presidente do Tribunal ou procurador geral de Justiça" 7. Nessa hipótese, a autoridade policial, civil ou militar, que realizou a prisão-captura, deverá encaminhar o detido, que possui prerrogativa de função, diretamente à presença da autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

3. Conteúdo da voz de prisão em flagrante.
A voz de prisão integra a prática policial, mesmo sem uma fórmula definida em lei ou regulamentação específica para tal ato. Existem variações, mas os usos e costumes traduziram-na como imediata e objetiva expressão verbal dirigida àquele que está sendo preso, para cientificá-lo do motivo do cerceamento da liberdade e, também, para adiantar a garantia dos seus direitos individuais.
Em casos de prisão em flagrante já se ouviu muito (em filmes) algo próximo ao seguinte teor: "Você está sendo preso; tem o direito de permanecer calado. Tem o direito a um telefonema para avisar seus familiares e tem direito à presença de advogado..." Já se ouviu falar até mesmo que "o que disser a partir de agora poderá ser usado contra você mesmo...". Ainda, o clamor público - ou a simples falta de critério - já ensejou, não poucas vezes, o coroamento do ato com o uso de algemas sem que houvesse necessidade dessa medida, objetivando a condução exemplar do preso para ser autuado e devidamente trancafiado...
Cumpre-nos apresentar algumas considerações para justificar um posicionamento fundamentado sobre o assunto em questão. Primeiramente, é fato que o próprio Código de Processo Penal em vigor (CPP, Decreto-lei nº 3.689/41) não descreve o conteúdo da voz de prisão e, se o fizesse, a fórmula exata integraria o procedimento, com o devido registro no auto respectivo, sob pena de nulidade do ato, em razão do caráter excepcional de privação de liberdade a impor o cumprimento das formalidades que lhe são próprias8. Aliás, salvo a hipótese do fato praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, não é necessário constar a "voz de prisão" no auto de prisão em flagrante, por conseqüência da falta de imposição legal para tal registro9. Em segundo lugar, os direitos do preso em flagrante, de dignidade constitucional, são garantidos apropriadamente durante a lavratura do auto de prisão, por evidente questão de ordem prática, e não no ato da detenção, ressalvada a identificação do responsável por essa prisão-captura e o motivo da privação de liberdade, direitos que podem - e devem - ser garantidos de imediato.
Outrossim, durante a captura não faz sentido alertar o preso de que o que ele falar poderá ser usado contra si próprio ...; tal advertência, que mais parece uma ameaça, não seria capaz de inverter o ônus da prova, que sempre caberá a quem acusa como regra geral de direito a prestigiar o princípio básico do estado de inocência, apesar da momentânea convicção quanto à culpabilidade do detido, diante do quadro da flagrância de infração penal. Ainda, apresenta-se como grave erro generalizar a aplicação de algemas à ponto de desvirtuar o seu correto sentido de instrumento indispensável à contenção, no uso de força necessária - e por isso legítima -, para explicitá-la em funcionamento como símbolo de prisão, revestido de forte apelo visual.
Justifica-se a captura mediante voz de prisão em flagrante pela aparência inequívoca de tipicidade que preenche o quesito materialidade, caracterizada a autoria em razão da certeza visual da prática da conduta coibida10. Reagindo a tal percepção, aquele que surpreende a ação ou omissão prevista em norma penal deve, naturalmente, avisar o autor de que ele se encontra submetido à prisão, nesse mesmo momento, como conseqüência de sua conduta, e anunciar o motivo do obstáculo ao direito individual de locomoção que se lhe impõe, bastando a seguinte expressão verbal: "Você está sendo preso pela prática de infração penal". Deve o condutor, também, possibilitar sua própria identificação, seja pela exibição do nome sobreposto ao uniforme - obrigatória para o policial militar em serviço fardado - seja pelo fornecimento imediato do seu nome, quando questionado sobre sua identidade.
Desnecessária a exposição detalhada quanto à tipificação da infração durante a voz de prisão, mas, sim, preciso, o anúncio do motivo do cerceamento de liberdade pela inequívoca flagrância de ilícito penal, vez que a análise cuidadosa que levará à classificação da conduta será realizada com tempo e calma, posteriormente, para efeito da lavratura do auto pelo seu responsável. Além de acompanhar todo o trabalho de formalização do procedimento e ter assegurados oportunamente os seus direitos individuais, ainda o preso receberá, no prazo de vinte e quatro horas, a nota de culpa contendo em detalhes todas as informações a ele devidas.
Dessa forma, após a voz de prisão, além do que inicialmente se transmitiu ao preso, serão garantidos no tempo certo os seus direitos previstos no artigo 5o da Constituição Federal, resumidos como: comunicação imediata ao juiz competente e à sua família ou à pessoa por ele indicada sobre a prisão e o local onde se encontra (inciso LXII), a informação de que pode se manter em silêncio durante o interrogatório e a asseguração quanto à assistência da família e de advogado (inciso LXIII), obtenção da identificação dos responsáveis por sua prisão (todos, inclusive quanto ao responsável pela lavratura do auto) ou por seu interrogatório (inciso LXIV), o relaxamento da prisão pela autoridade judiciária, no caso de ilegalidade (inciso LXV), a liberdade provisória com ou sem fiança, nos casos admitidos em lei (inciso LXVI). Por esse motivo, uma vez efetuada a voz de prisão, deve ser realizada a condução imediata do preso, que permanecerá sob responsabilidade do condutor somente pelo tempo estritamente necessário à sua apresentação para a lavratura do auto de prisão em flagrante delito.

4. Soluções para eventuais divergências de decisões entre órgãos policiais.
A lei processual identifica a figura do "condutor", cuja versão apresentada sobre os fatos é registrada no primeiro momento da formalização da prisão em flagrante. Não resta dúvida de que se trata da pessoa que apresenta o preso ao órgão encarregado da lavratura do auto, seja ela o policial ou o particular que efetuou a captura ou, ainda, o policial que se encarregou de conduzir a ocorrência a pedido do particular que veio a prender o autor dos fatos11. Portanto, o condutor é quase sempre um policial, na condição de autor da voz de prisão, ou de encaminhador da ocorrência, se a prisão foi realizada por particular.
Quando um policial, ainda que de órgão distinto daquele competente para lavrar o auto, detém e dá a voz de prisão por sua própria iniciativa, age na obrigação legal de proceder à prisão-captura, convencido de que estão presentes as condições que assinalam e justificam a prisão em flagrante, eis que lhe é imposta tal conduta nos termos do art. 301 do CPP: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Portanto, enquanto ao particular é facultado efetuar a prisão-captura (a chamada "prisão facultativa"), ao policial é obrigatória tal providência (por isso denominada "prisão obrigatória"), sob pena de responsabilização, inclusive criminal se caraterizada a prevaricação12.
No caso concreto, quando um policial militar de qualquer nível hierárquico detém, dá a voz de prisão em flagrante e conduz alguém preso ao distrito policial, por sua iniciativa, apresentando-o ao delegado de polícia para a lavratura do auto, juntamente com testemunhas, exerce o poder de uma decisão legitimada pelo desempenho de sua própria autoridade policial, à luz do Direito Administrativo, como "law enforcement", alocução que inclui "todos os agentes da lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de prisão ou detenção" de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a propósito do artigo 1o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei13. Tal entendimento não afronta a posição já defendida por conceituados processualistas de que à luz da lei processual penal comum (CPP), ou seja, em sentido estrito, somente o delegado de polícia exerceria autoridade policial com competência para a lavratura do auto de prisão em flagrante, para a presidência do inquérito e para a concessão de fiança em alguns casos, dentre outras providências próprias de polícia judiciária, tratando-se evidentemente de atos policiais relacionados à apuração de infração penal de competência da Justiça Comum Estadual14.
Concluímos que a mesma manifestação do princípio da obrigatoriedade que determinou o proferimento da voz de prisão, na seqüência, impõe ao delegado a formalização do procedimento policial, desde que razoáveis os elementos apresentados, sem descarte, portanto, do seu juízo de admissibilidade, eis que o ato não será aperfeiçoado sem a lavratura do auto de prisão em flagrante, no que pode ser chamado de "confirmação da voz de prisão", expressão tradicionalmente utilizada nesse contexto. Convém lembrar que o delegado responsável é o de plantão do distrito da respectiva área de circunscrição, tendo por referência exatamente o local em que se deu a prisão-captura e não o local em que a infração penal foi praticada, circunstância que ressalta o mérito da iniciativa policial quanto à prisão e dá resposta à necessária agilização das providências decorrentes.
Obviamente, não seria razoável impor ao delegado que lavrasse, incontinenti, auto de prisão em qualquer situação a ele trazida como prisão em flagrante. O procedimento policial como um todo, sob o prisma de um ato complexo, teve o seu início com a privação de liberdade imposta pela voz de prisão (prisão-captura), mas o recolhimento do capturado ao cárcere (prisão-custódia) dar-se-á somente na segunda etapa, esta sob responsabilidade daquele a quem compete a formalização do ato. Surge, então, a hipótese de o delegado de polícia decidir que não é cabível a prisão em flagrante, apesar da iniciativa de policial integrante de outro órgão que decidiu pela voz de prisão. Imaginemos que o responsável pela lavratura do auto entenda que é o caso de abertura de inquérito policial, mas não de "flagrante", ou, mesmo, entenda que não cabe qualquer das duas providências ao reconhecer, por exemplo, falta de tipicidade na conduta do autor dos fatos. Vamos analisar quais seriam as possibilidades de solução de eventual divergência nas decisões.
De acordo com a nova redação do art. 304 do CPP, trazida pela Lei nº 11.113, de 13 de maio de 2005, conclui-se que o delegado ouve primeiro a versão do condutor, colhe a sua assinatura e passa recibo do preso, de modo que o policial condutor não precisará permanecer no distrito até o final de todos os registros, como vinha ocorrendo desde longa data, em virtude da então absoluta concentração de atos. Basta conferir o disposto na nova regra: "Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto" (art. 304 do CPP). Tem-se como cumprida a obrigação do policial que, por sua iniciativa, deu a voz de prisão, declarou sua versão dos fatos e entregou o preso mediante recibo; não se omitiu e dele nada mais se poderá exigir além de sua posterior colaboração com a Justiça Criminal na condição de testemunha, durante eventual ação penal. Não há que se falar, por outro lado, em abuso de autoridade por prisão-captura indevida em razão de não confirmação da medida, desde que existente razoável motivo para a voz de prisão na primeira e imediata avaliação do policial condutor, no ardor e urgência dos fatos, em contraponto ao inquestionável dever legal de agir.
Quando o delegado decidir por não lavrar o auto de prisão, em razão de sua pronta avaliação dos elementos disponíveis, mesmo antes de ouvir formalmente o condutor e, desta feita, recusar-se a passar recibo do preso, caberá ao policial que deu a voz de prisão avaliar serena e cuidadosamente os motivos da divergência de interpretação dos fatos e, sem estabelecer indesejável atrito - que somente traria prejuízo à almejada integração de esforços entre órgãos policiais -, adotar uma dentre duas opções. De acordo com sua análise, que deve ser despida de qualquer motivação de ordem pessoal para pautar-se pelo estrito profissionalismo, se convence de que é razoável a nova interpretação e alinha-se a essa vontade recém formada sob lógica argumentação, ou, então, ainda sob o prisma da legalidade, não conformado diante de manifesta irregularidade ou falta de razoabilidade na decisão do delegado, aciona os seus comandantes para que, em nível hierárquico superior, de ambos os policiais, possa ser estabelecido um ponto de convergência de decisões, em um esforço de harmonização de vontades. Observa-se, a propósito, que não há subordinação hierárquica ou funcional entre integrantes de duas instituições policiais diversas, o que não deve comprometer o mútuo respeito e o propósito de cooperação, que se espera prevalecer, em prol do bem comum.
Analisando a questão dos eventuais conflitos entre órgãos policiais, no desenvolvimento de atribuições próprias, Álvaro Lazzarini apontou a presente solução: "cabe ao superior hierárquico desses dois funcionários de mesmo nível a resolução do conflito e isso em decorrência da hierarquia" 15. Portanto, se mantido o impasse estabelecido, mesmo com a intervenção dos respectivos superiores de cada órgão policial, caberá ao superior hierárquico comum aos dois policiais a decisão final. Note-se que a recusa de adoção das medidas de polícia judiciária cabíveis pode caracterizar a prática de prevaricação, dentre outras condutas irregulares da autoridade que deveria agir após a iniciativa do policial condutor, conforme o caso.
Há quem defenda, na hipótese de recusa de lavratura do auto pelo delegado do local onde se deu a voz de prisão, o encaminhamento do preso à outra autoridade policial civil para que esta formalize o ato, em razão de que a jurisprudência indica que não se cogita de incompetência ratione loci, vez que autoridade policial não exerce jurisdição e, por conseqüência, não se reconhece causa de nulidade, nestes termos. Porém, classificamos como inadequada a postura de buscar a qualquer custo uma convergência de vontades, mediante acionamento de delegado - fora da circunscrição - que lavre o auto, vez que, na melhor das hipóteses, caracterizar-se-á alguma irregularidade funcional, ainda que não venha a comprometer a validade do ato, como visto.
Quanto ao encaminhamento de "representação" para providências contra o delegado que não formalizou a prisão em flagrante, apesar da existência de elementos inquestionáveis que justificavam a medida (lavratura do auto), entendemos que este é um direito de qualquer cidadão, previsto na Lei nº 4.898/65, que também pode ser identificado como "direito de petição"16 e não apenas prerrogativa do policial inconformado, lembrando da inexistência de subordinação hierárquica ou funcional entre os dois. Mas tal providência, posterior aos fatos, poderá servir para provocar algum esclarecimento ou eventual responsabilização quanto à conduta contestada, além de eventual reparação de danos, sem a capacidade, evidentemente, de reverter a não efetivação da prisão em flagrante.
Finalmente, convém lembrar que, não obstante a avaliação quanto ao cabimento ou não da prisão em flagrante, ao menos a abertura de inquérito deve ser providenciada pelo delegado responsável, quando o ofendido requer formalmente essa medida, exercendo direito subjetivo que poderá ser garantido inclusive mediante recurso encaminhado ao "chefe de Polícia", em caso de indeferimento do pleito17. Entende-se que tal recurso pode ser encaminhado ao Secretário da Segurança Pública, ao Delegado Geral de Polícia ou, mesmo, ao superior imediato da autoridade cuja decisão se recorre, em razão do sentido indefinido da expressão originalmente utilizada. Trata-se de prerrogativa do ofendido que confirma o caráter de obrigatoriedade da atuação policial não propriamente quanto à lavratura do auto de prisão em flagrante, mas, por certo, quanto à rigorosa apuração dos fatos apresentados ao órgão competente.

5. Quando não cabe a voz de prisão em flagrante.
Dá-se a voz de prisão em flagrante durante a captura como preparação à prisão-custódia (recolhimento ao cárcere) que será conseqüência imediata, em regra, da constatação da prática de infração penal em seu estado de flagrância. Não é o propósito deste estudo analisar as modalidades de flagrante (em sentido próprio, impróprio, presumido, dentre outras classificações possíveis) e todas as suas particularidades, tema já amplamente explorado por renomados juristas, mas sim enfocar a voz de prisão no contexto do procedimento policial adequado à obrigatória atuação, uma vez superada a avaliação preliminar quanto à caracterização do estado de flagrante delito.
No âmbito do flagrante, a prisão é o próprio objetivo da "voz". Destarte, por raciocínio de exclusão, sempre que não for caracterizado o estado de flagrância também não caberá a voz de prisão (em flagrante). Note-se, ainda, que em algumas situações, apesar do estado de flagrância, não é cabível a prisão e, assim, por coerência, também não será cabível o proferimento da voz de prisão.
De fato, não será imposta a prisão em flagrante em casos de imunidade diplomática ou parlamentar (nesta última, ressalvados os crimes inafiançáveis, de acordo com o parágrafo 2o, do art. 53, da Constituição Federal) ou ainda, em casos de prática de infrações penais de menor potencial ofensivo, com o encaminhamento imediato do autor ao Juizado, após lavratura de termo circunstanciado, ou firmado o compromisso de seu comparecimento em juízo (parágrafo único, do art. 69, da Lei nº 9.099/95) 18. A propósito desse sistema, infere-se que a lei prevê que, em casos de infração de menor potencial ofensivo, quando desnecessária a prisão-captura, toda a atividade policial é desenvolvida pela mesma autoridade policial que primeiro tomar conhecimento da ocorrência (caput, do mesmo art. 69, da Lei nº 9.099/95) 19, com o objetivo de dar celeridade à prestação jurisdicional.
Também não será proferida voz de prisão à autoridades com prerrogativa de função que impeçam sua prisão em flagrante, salvo nos crimes inafiançáveis, como os magistrados e integrantes do Ministério Público 20, cuja apuração conseqüente competirá à órgãos distintos dos órgãos policiais comuns.
Portanto, não se impõe a prisão-captura em situações específicas previstas em lei, tornando-se inviável a voz de prisão nesses casos, apesar da constatação de situação de flagrante. Mantém-se, todavia, os registros policiais cabíveis e, para esse fim, a retenção do autor apenas pelo tempo estritamente necessário, sob pena de responsabilização por abuso de autoridade na conduta de atentado à liberdade de locomoção 21 ou, ainda, de atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, nos termos do art. 3o, letras "a" e "j", da lei 4.898/65.

6. Situações particulares de cabimento.
É possível dar voz de prisão em flagrante em caso de contravenção penal? Quando em situação especial, sim. Tourinho Filho observa que: "É certo que o art. 301 fala em ‘flagrante delito’, parecendo, assim, estar excluída a hipótese de ‘flagrante contravenção’, pois contravenção não é delito. Todavia, no artigo imediato, o legislador, ao estabelecer os casos de flagrância, usa a expressão ‘infração penal’, que, realmente, compreende o delito e a contravenção" 22. Não obstante, pela previsão da lei 9.099/95, toda contravenção foi considerada infração penal de menor potencial ofensivo 23 e, portanto, conforme visto, o autor do fato não será preso desde que, pelo menos, assuma o compromisso de comparecer em juízo, após a lavratura do termo circunstanciado; tal disposição legal significa que, ao contrário, se não houver a mínima participação e colaboração para com a Justiça, não será garantido o benefício (ausência de prisão em flagrante) e, então, a autoridade policial agirá como se estivesse frente à infração penal fora do contexto da lei 6.099/95. Note-se que se o ofendido for identificado e individualizado, será indispensável o seu interesse quanto às medidas de persecução penal, eis que, mesmo tratando-se de ação publica, ela estará condicionada à representação.
É possível dar voz de prisão em flagrante em caso de crime de iniciativa privada? Sim, desde que a vítima solicite a prisão-captura ou revele interesse na futura apresentação de queixa e, ainda, desde que, em caso de infração penal de menor potencial ofensivo, o autor do fato não faça jus ao benefício legal que o impeça de ser preso em flagrante, nos termos do parágrafo primeiro, do art. 69, da Lei 9.099/95. Ocorreu em 13 de abril de 2005, em pleno Estádio do Morumbi, em São Paulo, a voz de prisão em flagrante proferida ao jogador argentino Leandro Desábato, do time Quilmes, pela prática de injúria qualificada (parágrafo 3o, do art. 140, do Código Penal) 24, qual seja, por ter dirigido expressões verbais injuriosas, durante partida de futebol, com a utilização de elementos referentes à raça, cor e etnia, ao jogador Grafite, do time São Paulo, fato testemunhado por um número incalculável de telespectadores. Conforme registrou a imprensa, com ampla divulgação 25, o ofendido foi consultado a respeito de uma possível queixa contra o agressor e manifestou interesse na persecução penal, o que tornou possível a ação policial imediata, com a voz de prisão e condução ao 34º Distrito Policial para a lavratura do auto de prisão em flagrante delito, observando-se que a pena prevista para a conduta é de reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos, e multa, e, portanto, a infração não é considerada de menor potencial ofensivo em razão da pena máxima à ela atribuída.
É possível dar voz de prisão em caso de apresentação espontânea? Em que pese a posição de respeitáveis doutrinadores indicando absoluta impossibilidade de prisão 26, acompanhamos o raciocínio oposto, no sentido de que, apesar de ter sido capitulada separadamente no CPP como modalidade distinta da prisão em flagrante, quando o infrator utiliza-se da apresentação espontânea apenas e notoriamente para escapar da prisão, pode ser ele autuado em flagrante delito, observando que não há como traçar regras matemáticas para tal avaliação, na esfera da atuação policial. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci defende que a apresentação pode não descaracterizar o flagrante delito e algumas situações geram o clamor público e o periculum in mora instala-se, destacando: "não se pode utilizar o artifício da apresentação espontânea unicamente para afastar o dever da autoridade policial de dar voz de prisão em flagrante, com a lavratura do auto, a quem efetivamente merece. Imagine-se o indivíduo que mata, cruelmente várias pessoas e, logo em seguida, com a roupa manchada de sangue e o revólver na mão, adentra uma delegacia, apresentando-se" 27.
Finalmente, resta abordar a situação de voz de prisão em flagrante sem testemunhas, salientando que, à evidência, somente pode proceder a prisão-captura (em flagrante) aquele que presenciou fatos que justificam a medida. A obrigação de prender em flagrante, com o proferimento da "voz" para efeito de condução, não está vinculada a existência de testemunhas da infração penal em estado de flagrância, ou de testemunhas da realização da prisão-captura. A ausência de testemunha, nesses termos, não seria capaz de impedir a lavratura do auto de prisão em flagrante delito, mesmo porque outras provas podem ser reunidas e a própria versão do condutor não deixa de constituir testemunho. Entretanto, nesse caso, será necessária assinatura de duas testemunhas da "apresentação do preso", junto com o condutor, ao responsável pela lavratura do auto 28. Por extensão, se o policial que vai conduzir as partes não é o autor da voz de prisão, ou seja, não presenciou os fatos, deverá reunir duas testemunhas da apresentação do preso (a si), quando ausentes testemunhas diversas daquela que realizou a prisão-captura.
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Notas
1 Inciso XV, do art. 5o da CF: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz...”
2 Inciso LXI, do art. 5o da CF: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”
3 Processo penal. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2002. p. 359.
4 Castelo Branco, Tales. Da Prisão em Flagrante. São Paulo : Saraiva, 1988, p. 31.
5 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao analisar os atos administrativos quanto à formação da vontade, identifica o ato complexo como uma das possíveis espécies de ato administrativo: “Atos complexos são os que resultam da manifestação de dois ou mais órgãos, sejam eles singulares ou colegiados, cuja vontade se funde para formar um ato único. As vontades são homogêneas; resultam de vários órgãos de uma mesma entidade ou de entidades públicas distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins” (Direito administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2002, p. 215).
6 Art. 307 do Código de Processo Penal (CPP): “Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto”. Art. 249 do CPPM: “Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra ela, no exercício de suas funções, deverá ela própria prender em flagrante o infrator, mencionando a circunstância”.
7 Da prisão em flagrante de membros do Ministério Público e magistrados. Artigo publicado no Caderno Jurídico, São Paulo, março/abril de 2003.
8 Quanto às formalidades da autuação, adverte Guilherme de Souza Nucci: “sendo a prisão em flagrante uma exceção à regra da necessidade de existência de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, é preciso respeitar, fielmente, os requisitos formais para a lavratura do auto, que está substituindo o mandado de prisão expedido pelo juiz” (Código de processo penal comentado. São Paulo : RT, 2002., p. 533).
9 Mirabete considerou desnecessário constá-la nos autos, inclusive na hipótese de fato praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, apesar da previsão do art. 307 do CPP, citando julgado (STJ: RT 668/340), com seguinte argumentação: “O reconhecimento de nulidade por essa omissão resultaria na consagração do formalismo puro, inexistente em nosso direito processual penal, em detrimento da realidade factual referente aos atos concretos e coercitivos típicos dessa custódia” (Processo penal. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2002. p. 371).
10 Magalhães Noronha destaca a definição concisa de flagrante, de autoria do Des. Rafael Magalhães: “a certeza visual do crime” (Curso de direito processual penal. 22. ed. São Paulo : Saraiva, 1994, p. 162). Todavia, cumpre-nos observar que, além do crime, a contravenção penal também enseja prisão em flagrante, pelo mesmo critério e definição concisa da “certeza visual” de sua prática.
11 Nesse sentido, Grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filho in ”As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo : RT, 2001, p. 286.
12 O crime de prevaricação está descrito no art. 319 do Código Penal: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato ou ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”.
13 O significado da expressão “law enforcement” é destacado por Álvaro Lazzarini in artigo: Poder de Polícia e Direitos Humanos, revista A Força Policial, nº 30, São Paulo, 2001, p. 16.
14 Sobre o tema, Damásio de Jesus concluiu que: “O conceito processual penal de autoridade policial é, portanto, mais restrito do que o do Direito Administrativo” (Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2002, p. 44).
15 Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo : RT, 1999, p. 62.
16 O Inciso XXXIV, do art. 5o da CF estabelece: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder ... “
17 o par. 2o, do art. 5º, do CPP, estabelece que: “Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia”.
18 “O benefício de responder ao processo em liberdade, mesmo no caso de flagrante, é o incentivo que a lei oferece para o comparecimento do autuado ao Juizado” (GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Juizados Especiais Criminais, Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo : RT, 1996, p. 101).
19 O “caput” do art. 69, da Lei 9.099/95 estabelece que: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”. Tratando do conceito de autoridade policial, Damásio de Jesus conclui que: “O policial militar, ao tomar conhecimento da prática de uma contravenção penal ou de crime de menor potencial ofensivo, poderá registrar a ocorrência de modo detalhado, com a indicação e qualificação das testemunhas, e conduzir o suspeito diretamente ao Juizado Especial Criminal” (Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2002, p. 48).
20 Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura), art. 33, e Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), art. 40.
21 “Com efeito, todo cidadão tem o direito de locomover-se, transportando-se para onde deseje, sem limitações, ressalvados os casos expressos em lei ou por imperiosas necessidades ditadas pelo Estado. Tal liberdade não pode ser total, pois necessárias são certas restrições, não só face à liberdade dos demais indivíduos, como à do Estado” (PASSOS DE FREITAS, Gilberto, e PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Abuso de Autoridade. 5. Ed. São Paulo : RT, 1993, p. 24).
22 Processo penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. v. 3, p. 431.
23 Art. 61, da lei 9.099/95: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”.
24 Parágrafo 3o, do art. 140, do CP: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Pena – reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos, e multa”.
25 Revista “ISTO É”, número 1853, de 20/04/2005, pg. 36/39.
26 Dentre outros, Paulo Lúcio Nogueira registrou que aquele que se apresenta espontaneamente para comunicar a prática de algum crime “não pode ser autuado em flagrante por não estarem presentes os requisitos do flagrante e haver disposição legal a respeito, conforme tem entendido copiosa jurisprudência” (Curso completo de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p 221).
27 Código de processo penal comentado. São Paulo : RT, 2002, p. 531.
28 O par. 2o, do art. 304 do CPP estabelece que a falta de testemunhas da infração não impede o auto de prisão em flagrante, mas, nesse caso, devem assinar, com o condutor, pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade policial.
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Bibliografia
COGAN, José Damião Pinheiro Machado. Da prisão em flagrante de membros do Ministério Público e magistrados. Artigo publicado no Caderno Jurídico, São Paulo, março/abril de 2003.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Juizados Especiais Criminais, Comentários à lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo : RT, 1996.
------- As nulidades no processo penal. 7. Ed. São Paulo : RT, 2001.
JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2002.
KARAM, Maria Lúcia. Prisão e liberdade processuais. Artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, número 2, p. 83/93.
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo : RT, 1999.
------- Temas de direito administrativo. São Paulo : RT, 2000.
------- Artigo: Poder de Polícia e Direitos Humanos, revista A Força Policial, nº 30, São Paulo, 2001.
------- et alii. Direito administrativo da ordem pública. 2. ed., Rio de Janeiro : Forense, 1987.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 14.ed. São Paulo : Malheiros. 2001.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo penal. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2002.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de direito processual penal. 22. ed. São Paulo : Saraiva, 1994.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo : RT, 2002.
PASSOS DE FREITAS, Gilberto, e PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Abuso de Autoridade. 5. Ed. São Paulo : RT, 1993.
RAMOS, Ademir Aparecido. A Polícia Militar e o poder de polícia, na atividade de segurança pública, no cumprimento de mandado de busca e apreensão. Monografia CSP II, 2003.
SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. São Paulo : RT, 1999.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. v. 3.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A legítima detenção de Danilo Gentili (do CQC), em Assis


Episódio que ganhou destaque na imprensa nacional, a abordagem policial e detenção do “repórter humorístico” do programa “Custe o Que Custar” (CQC), do Grupo Bandeirantes (Band TV), em 07 de novembro de 2009, no centro da cidade de Assis, São Paulo, merece análise sob o ponto de vista da legalidade da ação policial-militar diante de flagrante desrespeito à lei e à ordem pública.
Para compreensão do ocorrido, interessa observar que a cidade ganhou notoriedade a partir de julho do mesmo ano, em razão da forte reação policial para baixar os índices criminais, em atendimento ao clamor público. Em conjunto, os responsáveis pela Polícia Militar e pela Polícia Civil local adotaram uma série de medidas preventivas e repressivas que passaram a ser conhecidas como programa “Tolerância Zero”, com grande êxito, graças ao apoio da comunidade e também do Ministério Público, do Poder Judiciário e da OAB, dentre vários outros órgãos envolvidos.
Diante da repercussão dessas ações, a produção do citado programa resolveu testar a “eficiência” do programa de policiamento de Assis. Um dos seus integrantes apareceu fantasiado, em uma tarde de sábado, na avenida principal do centro comercial da cidade, com uma peruca de cabelo estilo rastafári, uma camiseta com o desenho de Fidel Castro, uma touca colorida, uma garrafa de bebida alcoólica na mão e com comportamento de quem está sob efeito de substância entorpecente. Nessa encenação, o indivíduo parava o trânsito, provocando os pedestres e motorista, falando e cantando em tom alto, em conduta totalmente destacada em relação àquele ambiente. Provocou, enfim, uma ocorrência conhecida no meio policial como “perturbação de sossego público”, com indivíduo em “atitude suspeita”.
De fato, alguém ligou para o telefone 190, da Polícia Militar, comunicando a confusão (suspeita-se que integrante da própria produção do programa, o que caracterizaria a “falsa comunicação de ocorrência policial”). A dupla de policiais militares que chegou ao local, aproximou-se tranquilamente daquele cidadão e iniciou verbalização durante a abordagem, solicitando que ele mostrasse se tinha algo embaixo da toca e perguntando qual era a sua cidade de origem. Os policiais colocaram em prática, nesse difícil momento por nós conhecido como “hora da verdade”, todos os ensinamentos e treinamentos do procedimento operacional padrão amplamente difundido no âmbito da Instituição para casos semelhantes, agindo em defesa da sociedade, no cumprimento de sua obrigação profissional.
Os policiais notaram divergência nas respostas, pois o suspeito dizia que vinha de Paraguaçu Paulista e instantes depois, confundindo-se, contava outra história, afirmando que, na verdade, estava vindo de São Paulo (a matéria, editada, não mostrou todo o diálogo). Os profissionais de segurança pública conduziram-no, então, para o outro lado da rua (na calçada oposta), a fim de procederem à busca pessoal preventiva, com discrição, pois havia poucas pessoas no lado em que se iniciou a abordagem. A partir de então, quando solicitaram que o suspeito colocasse as mãos sobre a cabeça para ser revistado, houve a primeira reação de desacato (que na edição das imagens foi cortada): o falso bêbado - ou drogado - agitador perguntou: “coloco as mãos em qual das duas cabeças, na de baixo ou na de cima...”, recusando-se em ser submetido ao regular procedimento policial.
Um dos policiais, então, acertadamente, promoveu a sua imobilização, aplicando-lhe uma chave de braço, enquanto o outro realizava a busca pessoal, exatamente como foram treinados em simulações, na sede do Batalhão em Assis, para casos similares de resistência ou desobediência. Depois disso, o revistado mostrou o dedo médio aos policiais, em ostensivo gesto obsceno (inclusive a matéria divulgada mostra esse momento), enquanto dizia, ofensivamente, em tom irônico: “foi justo esse dedo aqui que você machucou, olha!”. Então, corretamente os policiais militares anunciaram que ele estaria detido por desacato e, diante da resistência constatada, algemaram-no para a sua condução em segurança e o transportaram na viatura até o distrito policial, para o registro dos fatos em termo circunstanciado. Somente no plantão policial, o ofensor identificou-se como “repórter humorístico” (e não durante a sua condução, como insinua a matéria editada), o que não alterou as providências de registro policial.
Enfim, esses são os fatos documentados e algumas conclusões devem ser registradas:
1. o efetivo da Polícia Militar, em Assis, foi submetido à prova e, na verdade, toda a Instituição “Polícia Militar” foi testada por provocação inconseqüente, para não dizer irresponsável. A equipe que atendeu à solicitação de intervenção agiu com profissionalismo, sem arbitrariedade, com o uso da força moderada e necessária para superar a resistência de pessoa que causava perturbação da ordem e desacatou a autoridade policial legalmente constituída e em regular exercício profissional de policia preventiva, mediante policiamento ostensivo, em atendimento à noticiada ocorrência em espaço público.
2. a abordagem policial, com busca pessoal, imobilização e condução do detido ao distrito policial teve fundamento legal, pela caracterização, em primeiro momento, da fundada suspeita e, em segundo momento, pela resistência e pelo desacato à autoridade, o que motivou registros policiais devidos e ensejará procedimento judicial, com provável responsabilização ao ofensor. Por sinal, o próprio cidadão admitiu as provocações, o que foi registrado no DP e não quis ser submetido a exames médicos ou periciais, reconhecendo não ter sido lesionado ou agredido fisicamente, além de sentir o desconforto da contenção e da sujeição ao uso de algemas, como naturalmente era esperado, em circunstâncias como essa (ainda, entrevistou o delegado segurando normalmente o microfone logo depois...).
3. A detenção foi incontestavelmente legítima e a ação dos policiais militares adequada. Mantiveram a calma necessária, apesar das provocações e merecem elogio pelo profissionalismo demonstrado no contexto da abordagem policial.
Apenas quem exerce a profissão policial militar tem a noção exata das dificuldades encontradas nesses momentos e o equilíbrio necessário para não perder a calma e não praticar excessos (sendo filmado, ou não).
A Polícia Militar é Instituição que defende a legalidade. Seus integrantes agem dentro de padrões legais e regulamentares, ao contrário do ofensor detido que buscava audiência “custe o que custar”, forjando uma ocorrência na cidade de Assis e brincando com algo muito sério, que diz respeito à segurança das pessoas e os instrumentos lídimos para alcançá-la. Procurou denegrir a imagem do município, de sua Câmara Municipal (durante a entrevista final) e, principalmente, dos policiais militares que atuam com notável empenho. Enganou e tratou com sarcasmo profissionais que são treinados para arriscar a própria vida em defesa da sociedade e não se pode aceitar tal despropósito sob a desculpa de ignóbil verniz de “liberdade de imprensa” . Uma conduta (a do “repórter” disfarçado), enfim, lamentável sob todos os aspectos.
Encerro esses comentários manifestando meu incondicional apoio e incentivo aos policiais militares que atenderam e conduziram a “ocorrência” com tamanho profissionalismo. A comunidade vem manifestando apoio irrestrito à ação policial integrada que dá exemplo de competência para todo o país. Os magníficos resultados operacionais e a redução da criminalidade em Assis falam por si. A resposta às injustas provocações, nesse caso, foi pronta e irretocável sob o ponto de vista legal, com o cumprimento dos procedimentos operacionais regulamentares. Por isso, cada vez aumenta mais meu orgulho em integrar a Polícia Militar de São Paulo.
A partir de agora, acompanharemos, com expectativa, as providências no âmbito da Justiça, para a devida responsabilização cabível ao ofensor.
Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I – Assis/SP

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O POLICIAL MILITAR OPERADOR DO DIREITO

(Publicado na revista na Revista “A Força Policial”, nº 42, em 2004 e também no site "jus navegandi", em 2005, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9539 )


Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco

1. Introdução 2. Missão constitucional e exercício da autoridade policial 3. Discricionariedade do ato de polícia 4. Análise prévia da configuração da prática de crime e da situação de flagrante 5. Atuação na fase da repressão imediata e o apoio à Justiça Criminal 6. Formação jurídica do policial militar 7. Conclusão

1. Introdução
Observamos que alguns expositores ao mencionarem o conjunto dos profissionais chamados “operadores do direito”, em manifestação oral ou escrita no meio acadêmico, relacionam nesse grupo os juízes, promotores, advogados, delegados de polícia e até mesmo estudantes de direito, não fazendo referência, porém, à figura do policial militar. Desconsideram o fato de que o policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito no desempenho de sua atividade profissional ímpar, cuja principal ferramenta de trabalho é exatamente a interpretação das normas legais, objetivando alcançar o fiel cumprimento da lei e o “fazer cumprir a lei” em defesa da sociedade, para a preservação da ordem pública.
Não se trata de reivindicar qualquer mérito, mas, sim, de destacar a importância da informação - e da formação - jurídica na atividade policial-militar e o reconhecimento da efetiva operação do direito que se processa na relação direta com a população, em tempo real, fora dos cartórios dos fóruns, das salas de audiência e longe dos gabinetes dos estudiosos do direito, das salas de aula e mesmo das sedes dos distritos policiais. Referimo-nos a aplicação prática do direito que se processa na ação do policial militar em contato pessoal e permanente com o cidadão, destinatário de todo o esforço do Estado no objetivo maior de alcançar a paz social. Vamos refletir sobre isso.

2. Missão constitucional e o exercício da autoridade policial
O policial militar trabalha com segurança quando possui conhecimento da lei em nível adequado ao desempenho da sua função, em patamar acima da média do cidadão comum, com especialização em atividades de segurança pública. E ele deve ser preparado para esse plano de atuação. Necessário, primeiramente, conhecer a competência da Instituição da qual é parte integrante, para exercer a autoridade policial inerente à sua condição, agindo em nome do Estado e no limite de suas atribuições, capacitando-se a tomar decisões que se reconheçam corretas porque razoáveis e cobertas pelo manto da legalidade e da moralidade administrativa.
Tal como acontece com os demais operadores do direito, deve ser capaz de organizar-se mentalmente, formulando um raciocínio jurídico sobre o fato concreto. E deve decidir com amparo na fundamentação legal que dê legitimidade à sua ação, eis que, via de regra, o policial atua na sensível faixa da limitação das liberdades individuais, no exercício do denominado poder de polícia, condição que o distingue.
Sobre esse diferencial de sua função, faz-se oportuno destacar o ensinamento sempre atual de Álvaro Lazzarini: “A Polícia é a realidade do Poder de Polícia, é a concretização material deste, isto é, representa em ato a este. O Poder de Polícia legitima a ação e a própria existência da Polícia. Ele é que fundamenta o poder da polícia. O Poder de Polícia é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades” 1.
O policial militar não pode simplesmente tratar o poder de polícia como algo etéreo, construído pela doutrina ou aceito como legítimo em razão de que ninguém questionou sua decisão diante de um caso prático... É obrigação do profissional de polícia conhecer a natureza jurídica dessa sua autoridade exteriorizada nas mais variadas situações, normalmente diante de conflitos sociais ou manifesta no contexto da prevenção, quase sempre caracterizada pela adoção de medidas cogentes. Certo que na esfera da segurança pública, é a Polícia Militar a detentora principal do conjunto de atribuições da Administração Pública chamado poder de polícia.
Pois bem, partindo do texto da Constituição Federal, particularmente do art. 144, posiciona-se o policial militar em relação à competência dos outros órgãos policiais e identifica a sua própria, na complexa dimensão do exercício da “polícia ostensiva” e da “preservação da ordem pública”. E, diante da diversidade de suas missões, ao buscar a regulamentação de matéria específica nas leis infraconstitucionais, observada a hierarquia das normas, obtém os subsídios necessários para qualquer tomada de posição.
Os três aspectos da ordem pública: segurança, tranqüilidade e salubridade, reconhecidos em inúmeras produções acadêmicas desenvolvidas sobre o tema, expandem a dinâmica da atuação policial-militar muito além da realização do notório policiamento ostensivo que previne a prática de infração penal. Atua o profissional também em situações marcadas pela prática de ato que não constitui delito, mas que é considerado ilícito em razão de desrespeito a regra na órbita do direito civil ou na esfera administrativa, como por exemplo, em ocorrência que envolve prática de infração de trânsito, infração ambiental, questão de relações de vizinhança e muitas outras, sempre com previsão no ordenamento jurídico, posto que, conforme o art. 5º, inciso II, ainda da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Enquanto ao cidadão comum é permitido movimentar-se no vazio deixado pela lei, ou seja, ele pode fazer em regra tudo o que não lhe seja vedado em mandamento legal, de outro lado, os integrantes da Administração Pública devem fazer apenas o que a lei permite, em face da observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, ainda, eficiência, nos termos do artigo 37, também da Carta Magna. O raciocínio aplica-se não somente ao exercício da atividade fim, mas também à gestão dos recursos necessários, no âmbito das atividades de suporte essenciais à realização da “polícia ostensiva” e da “preservação da ordem pública”, característicos da Administração Militar Estadual. Nesse contexto, o gestor da coisa pública, no exercício de suas atribuições, é autoridade administrativa, com poderes, deveres e responsabilidades próprios.
O mesmo artigo 37 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, prevê a responsabilidade objetiva da Administração Pública e a ação regressiva contra o agente público causador do dano: “As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Verifica-se, portanto, que além das responsabilidades comuns a qualquer cidadão o policial militar está sujeito a outras. Conforme visto, está sujeito à eventual obrigação de indenização em razão de ação regressiva, por danos causados a terceiros na condição de agente público; a responsabilização no campo disciplinar, mediante aplicação de rigoroso regulamento de conduta que estabelece como sanção inclusive a privação de liberdade e, ainda, à jurisdição penal especial, na esfera da Justiça Castrense, em razão de sua qualidade de militar. Eis o peso da responsabilidade do exercício da função e da autoridade policial-militar a exigir, como contrapartida, uma boa preparação, especialmente na área dos conhecimentos jurídicos essenciais ao desempenho de tão relevantes e complexas atribuições.

3. Discricionariedade do ato de polícia
O aprofundamento no estudo da missão institucional e do exercício da autoridade policial, leva o profissional de Polícia Militar a conhecer a análise doutrinária sobre as características do ato de polícia. Conforme lição de Hely Lopes Meirelles2, o ato de polícia tem três atributos básicos: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, ou seja, é caracterizado pela livre escolha da oportunidade e da conveniência do exercício do poder de polícia, além dos meios - lícitos - necessários para a sua consecução, pela execução direta e imediata da decisão, sem intervenção do Poder Judiciário, exceto os casos em que a lei exige ordem judicial, bem como, pela imposição das medidas adotadas, de modo coativo.
Exatamente como um contraponto à liberdade do cidadão comum, que pode movimentar-se no vazio deixado pela lei, a discricionariedade possibilita ao policial militar um nível de escolha de oportunidade essencial ao êxito do trabalho de quem pode estar no lugar certo e no momento certo para agir. Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como sendo “a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente” 3.
Significa dizer que o ato de polícia encontra seus limites também no mandamento legal. Os fins, a competência do agente, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto são limites impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa margem de discricionariedade no seu exercício, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em elucidativa exposição: “Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender o interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do direito público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais”4 .
Para não incidir em prática de ato arbitrário, que consiste em posicionamento antagônico à prática de ato discricionário, o policial militar deve ter a noção exata dos contornos legais da discricionariedade. Ora, não existe outra forma senão estudar as leis, conhecer a doutrina e, ainda, tomar contato com a jurisprudência, como faz um bom operador do direito. Por outro lado, não se pretende que o policial militar transporte na viatura todos os códigos e manuais disponíveis, ou que dele seja exigido o bacharelado em Ciências Jurídicas; importante, sim, que ele receba uma boa formação técnico-jurídica para que se sinta preparado e, por conseqüência, encontre-se seguro ao tomar decisões, sob o peso da responsabilidade de quem representa o próprio Estado e, nessa condição, é o primeiro normalmente a tomar contato com situação de conflito, adotando providências imediatas - e imprescindíveis - para o restabelecimento da ordem.

4. Análise prévia da configuração da prática de crime e da situação de flagrante
Qualquer do povo pode e o policial deve prender quem for encontrado em flagrante delito, é o que determina o art. 301 do Código de Processo Penal... Mas, para prender, é necessário entender como se configura a situação jurídica de flagrância delituosa e, particularmente, se tal conduta - em estado flagrante - amolda-se à descrição própria desse ou daquele tipo penal. Também é essencial, nesse contexto, compreender as regras de processo penal aplicadas ao ato de prisão. Trata-se exatamente de saber o porquê da decisão que será tomada; agir pela razão e não pela emoção; reservar a “intuição” apenas para a ação policial que não impõe qualquer restrição de direitos.
A reflexão sobre o tema resulta em séria advertência: se a análise preliminar não for baseada em critérios técnicos, ou seja, com conhecimento das normas básicas de direito penal e de direito processual penal, o policial militar poderá incidir, ele próprio, na prática de crime. Pode vir a praticar prevaricação ou abuso de autoridade.
A responsabilidade do policial é marcante em relação às normas de conteúdo penal que, ao contrário das normas processuais, não admitem interpretação extensiva, uso de analogia, de costumes ou de princípios gerais de direito. Em outras palavras, em razão de que deve ser perfeito o ajustamento da conduta ao tipo penal para a configuração da prática de crime, por vezes um detalhe ilide a materialidade e, portanto, inviabiliza qualquer medida de caráter repressivo; e o raciocínio contrário também é verdadeiro: um detalhe pode caracterizar a prática do ilícito penal em conduta que aparentemente não transgride normas penais, ensejando ação policial.
E ainda ocorre, não poucas vezes, que a rápida intervenção do policial militar ou apenas a sua presença ostensiva evita a prática de delito, como, por exemplo, de uma lesão corporal e até de um homicídio que resultaria da evolução de um caso de grave desentendimento.
Não há como negar, numa visão sistêmica do esforço do Estado na prevenção e na repressão da criminalidade, que o policial militar atua como uma espécie de filtro, em razão de sua análise prévia, elaborando um rápido raciocínio jurídico sobre o fato que chega ao seu conhecimento, quando do atendimento de uma ocorrência a ele confiada, ou simplesmente, ao deparar-se com uma situação de aparente conflito.
Frente à ocorrência, reúne imediatamente os elementos da notícia: quem, quando, onde, como e por que, para alcançar a síntese, sob o prisma da legalidade, que deve direcionar a sua conduta profissional, a fim de adotar um dos caminhos possíveis a partir de quatro níveis básicos: conclusão sobre inexistência de qualquer ilícito; verificação da prática de ilícito em conduta não incidente na esfera penal; verificação de indícios ou fundada suspeita da prática de ilícito penal; constatação da situação de flagrante delito.
Salvo os casos de imunidade, de prerrogativa funcional do infrator, ou de compromisso de comparecimento em juízo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95), o último nível permitirá ao policial militar apenas uma decisão: dar a voz de prisão em flagrante. A partir desse momento, deverá garantir o respeito aos direitos constitucionais do preso, sob sua custódia no menor tempo possível, até que seja apresentado ao delegado de polícia responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante, desde que, evidentemente, a conduta analisada previamente não tenha configurado crime militar – circunstância que enseja a realização do ciclo completo de polícia sob responsabilidade de autoridade policial-militar competente.
Em razão dessa atuação imediata diante do caso concreto, com poder de decisão no exercício de autoridade policial, Álvaro Lazzarini observa que o policial militar é encarregado da aplicação da lei, ou “law enforcement”, na alocução que inclui “todos os agentes da lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de prisão ou detenção” de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a propósito do artigo 1o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei5.

5. Atuação na fase da repressão imediata e o apoio à Justiça Criminal
O resultado de toda a atividade policial de combate à criminalidade vai desembocar na Justiça Criminal, que é o seu desaguadouro natural. E não poderia ser diferente, pois no Estado Democrático de Direito em que vivemos, é inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme art. 5o, “caput”, da Constituição Federal, destacando-se os mandamentos: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, nos termos dos incisos LIV e LVII do mesmo dispositivo constitucional.
Por isso, o policial militar deve analisar com bastante cuidado a expressão popular que representa o anseio da sociedade por maior efetividade na persecução penal: “a Polícia prende, mas a Justiça solta...”. Na verdade, um trabalho policial mal desenvolvido ainda na fase de atendimento de uma ocorrência ou na atuação logo após a prática da infração penal, por desconhecimento do aspecto pragmático do direito, pode inviabilizar mais tarde uma sentença condenatória.
O policial militar, operador do direito, deve compreender como funciona a Justiça Criminal, conhecer a mecânica do processo penal, exatamente o seu aspecto instrumental; precisa estar consciente de que o juiz, apesar do esforço constante da busca da verdade real, será obrigado a absolver o acusado caso não disponha de provas suficientes para a condenação, em respeito ao princípio da prevalência do interesse do réu, que é representado na expressão latina: in dubio pro reo.
O policial militar deve ter a noção de que, no contexto da persecução penal, como expressão do exercício do “jus puniendi” do Estado, ele próprio é parte integrante de um dos órgãos do chamado “Sistema Criminal”, nem mais e nem menos importante que outros, somando esforços junto aos demais órgãos policiais, órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário. Portanto, o seu trabalho não é isolado e, ao contrário do ponto de vista centralizador que por vezes se faz observar - como se esgotasse a persecução penal o ato policial bem sucedido representado nas frases: “prendemos”, “desvendamos o crime” -, deve prevalecer, acima de tudo, a preocupação com o aspecto de colaboração com os órgãos que prosseguirão na fase processual.
Essa é a visão temporal de necessária amplitude, quanto à dimensão da atividade dos outros órgãos que têm em comum a operação do direito, inclusive para que o policial militar se conscientize de que a “ocorrência” não se encerra simplesmente com os registros no distrito policial ou com os seus próprios registros policiais militares.
Sem desconsiderar a importância da atuação policial militar antes da prática do delito, exatamente no sentido de evitá-lo, é certo que a Polícia Militar participa direta ou indiretamente de todo o ciclo da persecução penal, desde o atendimento da ocorrência em que se constata a prática de delito até o efetivo cumprimento de eventual sentença condenatória daquele que foi submetido a processo penal, senão vejamos: o policial militar dá voz de prisão, quando conclui pela prática de infração penal em estado de flagrância; preserva o local do crime, garantindo a integridade e a inviolabilidade das provas que serão colhidas pela polícia técnica; por vezes colhe imediatamente, ele próprio, provas que podem se perder em pouco tempo, a fim de que não ocorram prejuízos aos trabalhos da Justiça Criminal; relaciona testemunhas no calor dos fatos, antes que se esgote a oportunidade de fazê-lo; o seu registro da ocorrência é normalmente analisado com grande atenção pela autoridade judiciária e, por conseguinte, é capaz de influenciar o convencimento sobre a configuração da prática delituosa; o testemunho do policial militar constitui quase sempre um dos principais elementos da instrução do processo em razão de que ele, via de regra, é a primeira autoridade que chega ao local dos fatos - por isso ele comparecerá ao fórum para prestar depoimento... E ainda, como não bastasse, também será um policial militar o responsável pela escolta de réus presos, em situações definidas em normas administrativas, pela segurança externa dos estabelecimentos prisionais e pelo apoio necessário ao cumprimento de mandados judiciais, dentre outras atividades imprescindíveis à garantia da segurança dos trabalhos desenvolvidos em juízo criminal.

6. Formação jurídica do policial militar
Não se despreza a importância da prática policial-militar, da cultura adquirida pela experiência cotidiana do policiamento ostensivo, uniformizado, que nenhuma outra instituição civil ou militar possui. E esta deve ser cultivada e perpetuada, como vem sendo feito, na forma de padronização de procedimentos operacionais. Mas, um policial militar em atuação, que não possua o mínimo necessário do conhecimento jurídico preconizado nos cursos de formação da Polícia Militar, será comparável a um músico tocando em uma orquestra sem saber ler partitura, ou com um instrumento desafinado: por maior que seja sua intimidade com o instrumento musical, não poderá convencer a todos os ouvintes, menos ainda aos outros músicos. Simbolicamente, essa orquestra corresponde ao Sistema Criminal e os diferentes naipes de instrumentos correspondem aos órgãos com participação no ciclo da persecução penal; por isso, somente haverá harmonia se cada grupo executar corretamente a parte que lhe cabe.
A formação jurídica do policial militar vem sendo prestigiada nos diversos cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar. Praticamente metade da carga horário dos cursos no âmbito da Instituição é composta por matérias voltadas à Ciência do Direito, com ênfase na sua aplicação durante a atividade policial.
A afinidade com tais matérias e o reconhecimento de sua importância faz com que diversos policiais militares, destacadamente os oficiais, busquem o aperfeiçoamento pessoal concluindo o bacharelado em Direito, vez que as Faculdades aproveitam as matérias ministradas na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (no atual Curso Superior de Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública) e vários concluem, ainda, cursos de pós-graduação. Mesmo sem um levantamento completo sobre essa formação acadêmica de iniciativa individual, é possível afirmar que bem mais da metade dos Oficiais da Polícia Militar possui bacharelado em Ciências Jurídicas e vários são, inclusive, pós-graduados.
Sobre a importância do estudo do direito para a atuação profissional, também é importante frisar que cada Unidade conta com um Oficial Chefe de Seção de Justiça e Disciplina, junto a uma equipe de praças, que é responsável pelo andamento dos procedimentos administrativos apuratórios, disciplinares e de polícia judiciária militar na respectiva área de circunscrição, ou de competência própria em razão do comando local, mantendo constante contato com outros operadores do direito na esfera administrativa ou penal militar. Toda essa estrutura, aliada a uma Corregedoria bem organizada, foi fortalecida com a implantação, na década de 90, dos Plantões de Polícia Judiciária Militar (PPJM), com funcionamento nos Comandos regionais, fora do horário de expediente, hoje implementados em todo o Estado de São Paulo, com excelentes resultados.
Além de participar direta, ou indiretamente, desse verdadeiro sistema de Justiça e Disciplina, na condição de encarregado de Investigações Preliminares e Sindicâncias, de Inquéritos Policiais Militares e eventuais Autos de Prisão em Flagrante Delito de crime militar e Processos de Deserção, de Processos Disciplinares - inclusive integrando Conselhos de Disciplina ou de Justificação para possível ato de demissão ou expulsão -, o Oficial da Polícia Militar concorre periodicamente, mediante sorteio, à atuação nos Conselhos das Auditorias da Justiça Militar Estadual, para funcionar como juiz integrante desses órgãos colegiados de julgamento de crimes militares, sob o regimento próprio da Justiça Castrense.
Em tempo, particularmente nas atividades especializadas, a exemplo do policiamento ambiental e do policiamento rodoviário, cresce ainda mais a exigência de conhecimento técnico específico, demandando cursos de especialização a que se submetem os policiais militares que atuam nessas áreas, o que aumenta o contato com as Ciências Jurídicas, mediante estudo dirigido à sua aplicação em determinada modalidade de fiscalização. Expande-se, por conseqüência, a interface com grupos de atuação especializada de outros órgãos públicos, também operadores do direito, envolvidos na mesma temática.

7. Conclusão
O policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito, na forma mais viva que se possa imaginar. Lida diretamente com a realidade dos conflitos sociais, próprios das relações humanas e deve decidir de imediato, como “juiz do fato”, com base no ordenamento jurídico. Sua responsabilidade é grande, pois carrega o peso das decisões de quem normalmente chega primeiro ao local dos fatos, na flagrância dos acontecimentos, personificando o poder do Estado perante a sociedade que o identifica de imediato em razão do uso do uniforme.
Como encarregado da aplicação da lei, o policial militar opera naturalmente o direito, atuando em situações de conflito ou em circunstâncias que lhe exigem domínio de normas específicas, tanto na atividade operacional quanto nas atividades de suporte e de apoio administrativo. Essa ação é tão espontânea no cotidiano do policial militar, que por vezes ele próprio pode não perceber a relevância do estudo, principalmente, dos ramos do direito constitucional, administrativo, penal, processual penal e civil, dentre outros. Por isso, os cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar têm destacado, com ênfase em seus currículos, as matérias relacionadas ao direito.
De fato, o principal instrumento de trabalho do policial é a imediata interpretação da lei, para desenvolver uma capacidade de tomar decisões rápidas e coerentes, sobre uma plataforma de conhecimentos previamente adquiridos, solucionando conflitos ou dando pronta resposta, por meio de suas ações, ao anseio da coletividade. Existiria melhor expressão para a prática de “operar o direito”?

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