sábado, 30 de outubro de 2010

"Vizinho Amigo": pacto dos moradores e interação com o policiamento preventivo


O grau máximo de envolvimento nas questões de segurança pública de uma comunidade se dá com um compromisso voluntário entre vizinhos, moradores de determinado quarteirão ou quadra, de forma que um se torna responsável pela segurança do outro, como se fosse estabelecido um “condomínio virtual”, com a via pública constituindo um espaço de uso comum, cuja movimentação passa a ser observada por todos.
Não se trata de assumir “incapacidade” de órgãos de prevenção e repressão policial, mas aceitar que a responsabilidade pela segurança pública deve ser compartilhada nos próprios termos da Constituição Federal, pois, além de “direito” ela é “responsabilidade de todos”, conforme art. 144, caput, da Carta Maior. Naturalmente, o policiamento preventivo não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mesmo auxiliado por recursos tecnológicos.
A concepção do “Vizinho Amigo” deve ser estimulada pela força policial local porque envolve um grupo organizado de cidadãos em parceria direta com o policiamento preventivo, baseado no posicionamento geográfico, a partir do momento em que cada morador exerce um papel de vigilância e de “olhos da polícia” naquele setor. Estimula-se o exercício da solidariedade, para que cada envolvido assuma o problema do vizinho como um problema seu, com a garantia de que será beneficiado, como contrapartida, com a mesma preocupação do seu vizinho para consigo. A ideia do “Vizinho Amigo” pode ser colocada em prática pela iniciativa de qualquer um dos moradores interessados (que pode ser um policial, naturalmente).
A sabedoria popular já captou o raciocínio de que “mais vale um vizinho próximo, que um irmão distante”. Nem todo o vizinho é próximo no sentido de participação, apesar do vínculo físico dos imóveis que ocupam um mesmo logradouro; por isso há que existir uma liderança local que provoque essa aproximação entre moradores, de forma que as pessoas que residem ao lado deixam de ser apenas “vizinhos” e passam a atuar também na prevenção criminal de toda a rua - não somente em relação à própria casa ou estabelecimento comercial como é comum acontecer.
Em matéria de segurança é ultrapassado o pensamento de que “cada um cuida dos seus problemas”; exemplo disso é a situação em que determinada pessoa coloca vários dispositivos eletrônicos de segurança em sua casa (por exemplo, cerca elétrica, alarme e câmaras de vídeo) e não mantém relação amistosa com seu vizinho; ocorre que se o morador for sequestrado e entrar na casa fortificada junto com criminosos, sob ameaça, com um ou mais carros envolvidos, o vizinho não vai suspeitar da movimentação porque nada conhece do dia-a-dia, da rotina dele (que prefere o isolamento).
A iniciativa pode partir de algum policial, ou alguém que se preocupe com o aspecto da segurança coletiva, morador do quarteirão, rua, viela ou bairro rural. Esse morador entra em contato pessoalmente com cada vizinho, expõe resumidamente o propósito da mobilização e agenda uma reunião que ocorrerá em um dos imóveis locais, em horário não comercial, para organizar o funcionamento do programa “Vizinho Amigo”. Para esse propósito, como ponto de partida, pode ser aproveitada reunião já agendada para outros fins, como religiosos (comunidades de bairro, de novenas, de paróquias etc.) ou sociais e políticos (organizações de bairros, Conselhos locais e outros).
No primeiro encontro serão discutidas providências imediatas, no nível local, voltadas a segurança dos moradores. Também, haverá troca de informações que permanecerão restritas aos participantes compromissados, estabelecendo-se uma rede de contatos (telefones fixos, celular, e-mail). Muitos se surpreenderão pelo nível de afinidades e a oportunidade de conhecer melhor alguém que mora tão perto e que se mantém “distante” por falta de uma simples iniciativa para integração em prol do bem coletivo. A freqüência e o calendário das reuniões seguintes serão definidos conforme convencionado entre os participantes, mas, sugere-se uma reunião mensal como razoável para o objetivo proposto (a confirmação da reunião é sempre divulgada com antecedência na rede de contatos estabelecida).
Nesses encontros serão encontradas soluções locais e estabelecidas convenções que auxiliarão, em muito, a segurança de todos. Por exemplo, é possível convencionar que sempre que o veículo vai entrar em uma garagem, o condutor acene para o morador que está na via pública por um motivo ou outro. Estabelecida a rotina, se no horário usual, aquela senhora que está varrendo a calçada e sempre recebe o cumprimento diário do morador antes que este entre na garagem, não for contatada visualmente (e os vidros - escurecidos - do carro permanecem fechados), ela poderá ligar para o mesmo vizinho a fim de verificar se tudo está bem e, dependendo da situação, acionar o policiamento.
Se alguém vai viajar, pode combinar com o vizinho para que este recolha jornais, revistas e folhetos colocados no portão, combinando inclusive horários de acendimento de lâmpadas e outras providências, dependendo do nível de relacionamento que se estabeleça. Os sistemas de videomonitoramento também podem ser compartilhados, inclusive em nível de despesas de instalação e monitoramento, porque é comum uma câmara colocada em frente a uma residência cobrir parte da fachada de outras casas (em alguns municípios, dependendo de convênios estabelecidos entre empresas de energia elétrica e Prefeitura, é possível a instalação de câmaras inclusive nos postes; em Assis-SP, por exemplo, o prefeito propôs convênio semelhante à empresa local de energia elétrica em 2009).
A preocupação mínima de cada vizinho em relação à segurança de todos é multiplicada e ganha força extraordinária. A Polícia Militar pode ser acionada, por exemplo, por qualquer dos moradores (que pode pedir discrição quanto à sua identidade), para verificação de indivíduo em atitude suspeita na rua, a pé, ou em veículo estacionado com características estranhas àquele ambiente (espaço comum dos vizinhos amigos) porque o senso de suspeição é desenvolvido pela observação da rotina de determinado espaço, quem o freqüenta em determinados horários, o seu comportamento e outros indícios que somente o interessado observador local pode levantar.
No caso de uma cidade de porte médio, o gestor de policiamento preventivo pode verificar, dentro do seu efetivo operacional, policiais voluntários para manter contatos periódicos com lideranças em cada bairro, vila ou comunidade, em horário de serviço (desde que localizadas no setor onde trabalhará), sem prejuízo do atendimento de ocorrências e do desenvolvimento das operações e atividades próprias de cada programa de policiamento; será ele chamado de “policial do bairro”. Não existirá melhor forma de praticar o conceito de polícia comunitária, como filosofia de trabalho que cresceu desde o início da década de 1990 e que deve permear todas as iniciativas policiais, eis que privilegia a aproximação com a comunidade (também chamado “policiamento de proximidade”). Além das lideranças, obviamente devem ser visitadas pessoas da respectiva comunidade em que se estabelece o elo, mantendo-se o policial como referência e receptor dos anseios desse grupo de pessoas. Conhecer as pessoas é o primeiro passo para o policial estimular um espírito de participação e de colaboração comunitária; por isso, se o policial é morador da comunidade atendida, o vínculo será muito fortalecido.
A evolução dessa organização localizada em determinadas áreas urbanas pode gerar a criação de um “CONSEG de Bairro”. Essa representação local será capaz, inclusive, de pleitear junto ao Poder Público, de maneira organizada e com inegável força, melhorias que contribuem para a qualidade de vida, como limpeza e iluminação da vias públicas, promovendo a segurança de um modo geral, o que significa um avançado grau de exercício de cidadania (ainda na cidade de Assis, em São Paulo, o “CONSEG da Vila Prudenciana” ganhou destaque entre os anos de 2009 e 2010 pela força de reivindicação de melhorias físicas no local, em razão das suas lideranças reunidas, alcançando benfeitorias no bairro - que tem localização periférica no município, com grande densidade demográfica e um extenso eixo comercial, a Av. David Passarinho).
Em um possível aperfeiçoamento da iniciativa “Vizinho Amigo” (que nasce na comunidade, mas é estimulada pelo gestor de policiamento, conforme defendido), poderá ser implantada uma rede de câmeras de videomonitoramento e também um rede de rádio-comunicação, em caso de zona rural em especial, ou vigilância comum contratada. Todas as providências propiciarão o acionamento rápido da polícia com mais qualidade nas informações, em caso de necessidades.
Quanto à área rural, também o cadastramento dos moradores ou dos proprietários em um determinado bairro, vila ou rua, com coordenadas geográficas, permite uma pronta localização e melhor conhecimento do ambiente de atuação, bem como a forma mais adequada de contato com as pessoas interessadas (podendo o policial se valer de GPS - Global Position System). Para tanto, a iniciativa do “Vizinho Amigo” pode evoluir para um Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG Rural) em razão da necessidade de melhor estrutura de organização, para as providências oportunas voltadas à identificação das propriedades em mapas, bem como colocação de placas nas vias de acesso e placas numeradas em frente de cada propriedade.
A experiência de criação de um CONSEG Rural ocorreu em relação aos proprietários e moradores da área rural da cidade de Assis-SP, 1ª Companhia do 32º BPM/I, desde o final de 2009, com organização própria e uma média surpreendente de participação (em torno de quarenta pessoas, com quase todos os bairros, ou “águas”, representados). Dois tenentes da Companhia acompanham as reuniões mensais e transmitem orientações sobre segurança, auxiliando o presidente do grupo a coordenador os trabalhos: 1º Ten PM Paulo Sérgio Rezende Pereira (comandante interino da 1ª Cia) e 1º Ten PM Fernando Santana Xavier (voluntário da 1ª Companhia). As melhorias alcançadas inicialmente sob o propósito de segurança (como a identificação física dos endereços, com placas refletivas) estimulou cobranças dirigidas ao Executivo Municipal e providências como asfaltamento e melhoria de acessos.
Os policiais designados para desenvolverem um Patrulhamento Rural, com base na identificação das propriedades passarão a conhecer detalhes importantes de cada propriedade rural, por exemplo, se ela tem característica agrícola ou de pecuária, ou ambas; a existência de maquinários agrícolas e insumos caros como fertilizantes e também defensivos agrícolas (que atraem autores de furto ou roubo); quantos e quais são os moradores e trabalhadores; os acessos etc. Avançando-se o policiamento territorial na área rural, será fundamental a colaboração do policiamento ambiental, do policiamento rodoviário e também do aéreo, onde existirem, para melhor cobertura na atuação policial.
A vigilância combinada entre proprietários também é um caminho viável a partir dos contatos no CONSEG Rural especialmente porque, no meio rural, a ação do criminoso contra o patrimônio é diferente do que acontece no meio urbano. Prova disso, é a confirmação de que em noites claras de lua cheia ocorrem mais furtos de gado, naturalmente em razão de que não há necessidade de uso de lanternas ou de outros sistemas de iluminação que acabam chamando a atenção, ao longe, durante o arrebatamento de rezes nos pastos. Vivências como essa indicam a necessidade de associação para fortalecimento dos laços de amizade e compromissos entre proprietários vizinhos em conjunto com a força policial local.
Retornando ao conceito do “Vizinho Amigo” na área urbana, interessante notar que algumas matérias jornalísticas divulgaram recentemente experiências de cidades distintas sobre mobilização de comunidades cujos moradores se utilizam como recurso de codificação apitos para indicar situações de segurança, de risco ou de prática de crime, o que representa comunicação rápida entre eles e controle da situação local. Dentre as convenções, se estabeleceu: um silvo curto significa segurança; um silvo curto e um longo correspondem à alerta (presença de suspeitos); e silvo intermitente indica crime acontecendo. A ideia da “comunicação entre indivíduos”, que provoca uma onda de alertas no caso de perigo (que se propaga), pode ter surgido da estratégia popular de “anúncio de criança perdida” quando pessoas na praia começam a bater palmas caminhando junto com menor perdido, até que os responsáveis - normalmente os pais - percebam a mobilização e vão ao encontro da criança (no verão de 2008 e também no de 2009, por exemplo, o procedimento foi muito comum em praias lotadas do litoral paulista e bem divulgado em matérias televisivas).
Apesar da estratégia conhecida por “apitaço” surgir, conforme noticiado, como uma reação de insatisfação popular na área de segurança, no caso do Rio de Janeiro, ela ilustra bem a força da comunidade e a iniciativa agregadora de alguns líderes que, em parceria com a polícia, podem gerar mudanças significativas em benefício de todos. Segue a matéria referente a uma das iniciativas:
No bairro Cosme Velho, zona sul do Rio de Janeiro, os moradores passaram a usar apitos ao chegarem nas suas ruas. Ao se aproximarem, fazem soar um apito curto. Em suas casas, os outros moradores respondem ao apito, dando a deixa de que estão vigiando e velando pelo que está subindo a rua. Se o apito for longo, é sinal de alguma coisa não está normal e que a atenção deve ser redobrada; talvez até se chamar a polícia. Os moradores contam que esse recurso já até salvou uma jovem de ser espancada, pois os criminosos fugiram logo que ouviram os apitos.
O exemplo dessa iniciativa veio de Pernambuco, onde a ong Cidadania Feminina fez distribuir no ano passado mais de mil apitos só na favela Alto José Bonifácio, no Recife. Neste caso, o objetivo era diminuir os altos índices de violência contra a mulher no Estado, mais de 10 mil casos por ano. O lema da ong já diz tudo: “Vamos apitar até as violência acabar”.
O recurso dos próprios moradores vigiarem seus bairros vem desde o final dos anos 60, nos Estados Unidos. Uma mulher havia sido estuprada e morta em Nova York, e perto de trinta testemunhas não fizeram nada para evitar o crime ou chamar as autoridades policiais. Revoltados, moradores de diversas regiões da cidade decidiram criar comitês para vigilância de suas áreas. A experiência acabou incentivando a criação de várias organizações dedicaram à criação deste tipo de grupos e ao seu apoio, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra
(Matéria de 07/10/2007. Fonte: http://www.avozdocidadao.com.br/Quintal_globo_66_a.asp, acesso em 01 jul. de 2010).
Na cidade de Londrina, além do uso do apito, alguns moradores de bairros de classe média se organizaram especialmente preocupados com as viagens de férias, com receio de furtos a residências. Adotaram providências como a fixação de placas nas fachadas das moradias com os dizeres: “Vizinhança alerta: estamos de olho em você!” e também a contratação (com despesas em comum) de serviços de vigilância e outras medidas preventivas, para viajarem com maior tranquilidade:
Famílias de Londrina (PR) se uniram para evitar que a casa do vizinho seja furtada durante as viagens de férias. Os próprios moradores criaram esquemas de segurança. Em uma rua, eles resolveram usar apitos para espantar os ladrões.
Em alguns bairros, os moradores contrataram vigias e equipes de ronda que trabalham 24 horas. Em outra rua, os moradores resolveram se unir. Eles já anotaram os telefones de todas as casas e instalaram placas avisando que estão em alerta e de olho na movimentação.
Para espantar os criminosos, foi criado um método especial. Cada pessoa tem dois apitos: um em casa, outro dentro do carro. Quando aparece algum suspeito, eles entram em ação. O apitaço deixa a rua em alerta. Depois que o sistema foi implantado, muitos moradores perderam o medo de viajar
(Matéria de 13/09/2010. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL216669-5598,00-MORADORES+DE+LO).
Em Uberlândia, Minas Gerais, o relato da mobilização dos moradores em projeto executado no Bairro Tibery também comprova a força da união da vizinhança para a segurança de todos. O recurso do apito, ao que se pode notar, é apenas um dos ingredientes do projeto (que conta com o apoio da Polícia Militar local) e o que mais interessa, na verdade, é a mudança de postura entre vizinhos que passam a se preocupar com a segurança do próximo, estabelecendo uma rede eficaz de contato e de relacionamento no seu ambiente mais próximo:
Moradores de quatro quarteirões de residências no bairro Tibery, em Uberlândia, estão há quase seis meses sem o registro de uma ocorrência sequer de crimes contra o patrimônio. Desde a época, por iniciativa da própria comunidade, está em funcionamento no lugar uma nova modalidade de segurança e vigilância: o projeto Vizinho Ajudando Seu Vizinho.
No semestre anterior, segundo levantamentos feitos pela própria Polícia Militar, que dá apoio ao projeto, ocorria, por semana, pelo menos um furto seguido de arrombamento em residências dos quarteirões. O fato ocorria, principalmente, porque bem perto do núcleo habitacional há um lugar denominado Favelinha, onde desocupados consomem e vendem drogas.
O projeto consiste em um morador ajudar o outro em caso de necessidade ou de perigo. Ao ouvirem qualquer barulho diferente ou avistarem a aproximação de estranhos, em atitude suspeita, os próprios moradores sacam de apitos e, por meio do som estridente, vão avisando um ao outro do ocorrido. Todos saem às ruas e se for um ladrão eles acionam a PM
(Matéria de 21/05/2008. Fonte:http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2005/11/20/14153/vizinhos_usam_Apitaco_para_ter_seguranca.html, acesso em 01 de jul. 2010).
Ainda, no interessante caso do bairro Tibery, o projeto comunitário chamado “Vizinho Ajudando Seu Vizinho” envolve outras providências, como a identificação das residências envolvidas com fixação de placa nas fachadas, a divulgação de uma “lista telefônica própria” (com a criação de uma rede de proteção), a designação de um “inspetor de quarteirão” voluntário, e outras idéias que foram colocadas em prática, além da importante conscientização dos populares, somado ao reforço do policiamento comunitário por parte da Polícia Militar local. Em razão dos ricos detalhes apresentados na mesma matéria, justifica-se a reprodução de mais uma parte do relato:
O projeto comunitário não é original. Há alguns anos ele foi implantada em Belo Horizonte, num bairro nobre. "Fiquei sabendo que os moradores estavam usando apito para espantar bandidos. Achei interessante trazer a ideia para discutir com meus vizinhos, porque segurança, embora seja dever do Estado, é responsabilidade também de cada cidadão", enfatiza uma moradora.
O bairro Tibery é uma das localidades de maior densidade populacional de Uberlândia. A estimativa é que cerca de 35 mil pessoas residem em casas e prédios da localidade. Aproveitando o projeto desenvolvido na região onde mora Carrijo (próximo ao estádio Airton Borges, com acesso pela rua Grécia) a PM está reforçando o policiamento comunitário.
Além do uso dos apitos, os moradores ampliaram o projeto. De acordo com o aposentado Sebastião José dos Santos, que atua como uma espécie de inspetor de quarteirão, todas as casas, cujos moradores aderiram à ideia, estão afixando uma placa na porta, avisando que as famílias fazem parte da iniciativa. "Assim, a gente sabe onde é que está quem."
Sebastião mora na rua Grécia há cinco anos. "Aqui em Uberlândia, eu nunca fui assaltado, mas sempre que vejo alguma coisa diferente, eu apito avisando os vizinhos", conta. (...)
Josias, um comerciante, diz estar tranqüilo. "Tenho os meus vizinhos. De um lado eles me ajudam olhando, do lado de fora, quem está vindo de maneira estranha; do outro eu os ajudo avisando da aproximação de alguém estranho da casa deles", afirma, explicando como colabora para o êxito da iniciativa. "As coisas melhoraram muito", diz.
A dona-de-casa Juventina é empolgada com a iniciativa. "Quando começamos as reuniões, muitos vizinhos achavam que (a ideia) não daria certo porque era muita gente que passava aqui na rua. Agora, eles — segundo ela, usuários de drogas, mendigos e bandidos - sumiram e tomara que não voltem mais."
Ela é encarregada de uma outra tarefa na rede de proteção. Quando alguma pessoa nova muda para as imediações, ele a chama para integrar o projeto. Os moradores mandaram imprimir uma lista telefônica própria, com nomes de cada chefe de família vizinho. "A gente anota o número do telefone, o nome completo da pessoa e também o apelido, quando tem."
Neta de Juventina, Natália, de 15 anos, é a mais nova participante da comunidade solidária. "Dá até para viajar, sem ficar preocupada em voltar e encontrar a casa vazia", salienta. De acordo com ela, as reuniões que são feitas pelo menos uma vez por mês motivam os moradores. "Cada um vem e conta o que ocorreu e o que fez", relata.
O funcionário público Silvestre diz que os comentários que surgem sobre os efeitos positivos do projeto do apito ajudaram a levar a paz ao lugar. "Quando a gente chegava aqui em casa, a gente ficava até com medo de abrir o portão de tanto vagabundo que ficava na rua fumando maconha. Ainda têm alguns, mas a maioria não aparece mais."
Dona de um açougue, Dalva diz que a única coisa que ainda atrapalha são os pedintes que freqüentam a favelinha atrás do estádio Airton Borges. "Teve uma vez que um ia invadindo a casa de um vizinho e eu avisei." Dias atrás um estranho tentou destruir parte do muro de uma residência. E os vizinhos o puseram para correr.

A iniciativa do “Vizinho Amigo”, enfim, pode ser ajustada às necessidades de cada quadra, bairro ou comunidade. Qualquer mecanismo que surja da própria união da comunidade (sem que haja restrições legais, obviamente) não será encarado como algo extravagante, a exemplo do uso de apitos se for o caso, mas legítimo pela sua origem, finalidade e, em muitos casos, com sucesso comprovado. O mais importante é a mobilização e envolvimento dos vizinhos, que conseguirão soluções imediatas e rápidas no seu ambiente de proximidade residencial.
O gestor de policiamento preventivo deve estar atento, incentivar a criação de vínculos entre os moradores que contribuam para a segurança coletiva e participar dentro de suas possibilidades. Enfim, mais uma vez, trata-se da força da união e a prova de que ninguém consegue viver ou resolver todos os seus problemas de forma individualista.

Autores: Adilson Luís Franco Nassaro e Lincoln de Oliveira Lima
(O artigo pode ser amplamente divulgado, sempre com citação de fonte e autoria).