segunda-feira, 10 de março de 2014

Educar e policiar


                 Educadores e agentes da lei trabalham com o comportamento, na relação entre pessoas em um grupo organizado.
                   Os primeiros, no conjunto que deveria reunir pais, responsáveis e professores em uma complexa estrutura, devem buscar a formação plena do indivíduo, integrado em um grupo social resultante da soma dos núcleos familiares em toda sua diversidade. Já os agentes da lei, embora em conjunto também amplo, são identificados imediatamente pela imagem do policial, e cobrados pela tarefa de “fazer cumprir as leis” (law enforcement), agindo para a manutenção do pacto social e restabelecendo a paz quando necessário, em busca de um equilíbrio conhecido como ordem pública.
                   Assim como educar não é responsabilidade exclusiva dos professores, policiar também não pode ser tarefa apenas dos policiais em uma sociedade que se denomina civilizada. O processo civilizador estudado por Norbert Elias tem como marca a evolução de um nível de violência onipresente para o aperfeiçoamento de mecanismos sociais que a limitam. A existência do chamado “autocontrole”, situação em que cada indivíduo policia a si próprio, é o indicativo de um patamar de civilidade almejado, tarefa do educador (não apenas do professor, insisto) em primeira instância.
                   Quando o primeiro esforço coletivo - o educar - não alcança o efeito desejado para uma convivência harmoniosa, o papel do agente da lei se torna superestimado - o policiar. A questão é mais complexa do que aparenta ser. Note-se que a segurança pública é “dever do Estado”, mas também “direito e responsabilidade de todos” como preconiza a Constituição Federal brasileira de 1988; por outro lado, a atuação do agente da lei (com seus efeitos) é capaz de gerar mudanças comportamentais, em outras palavras, educar e policiar prosseguem em um processo contínuo e indispensável, em uma construção coletiva e atemporal.
                   Não será o caso de um “Estado policial” ou, em contraste, de uma “sociedade sem polícia” como um ideal, a solução para os problemas contemporâneos. Historicamente, onde há sociedade organizada, haverá atuação policial: o próprio nome da instituição - Polícia - tem origem na palavra “cidade”, do grego politeia, no sentido de grupamento organizado de pessoas, advindo um “conjunto de instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-estado”, como descreveu Sérgio Bova.
                   Apresento, em conclusão, um ponto crucial: a necessária percepção da existência de direitos e de deveres capazes de caracterizar o cidadão completo e o exercício pleno da sua cidadania. Não se trata de defender apenas a vigilância e a punição, como já se demonstrou ineficaz em vários momentos na sociedade moderna - o “vigiar e punir” estudado em profundidade pelo filósofo francês Michel Foucault - mas buscar um ponto de equilíbrio entre as vantagens e as obrigações no exercício permanente de não viver só.
                   O Brasil de hoje é um retrato da “era dos direitos”, descrita pelo pensador italiano Norberto Bobbio como um amplo leque de dimensões de proteção e de garantias legais evidenciadas nas últimas décadas do século XX, e que significam uma conquista da humanidade, de fato. Para não retroagirmos, devemos, sem demora, assumir o papel da educação para a vida em coletividade, quando cada indivíduo é responsável, em alguma medida, pela segurança e pelo bem estar do próximo. Enquanto cidadãos, precisamos assumir a responsabilidade de educar e de policiar, exercendo direitos, mas conhecendo e cumprindo todos os nossos deveres: esse é o preço para viver bem em sociedade.
                  (O autor, Adilson Luís Franco Nassaro, é tenente-coronel PM, comandante do 2º Batalhão de Policiamento Rodoviário em Bauru, mestre em História e doutor em Ciências Policiais).
Para citar: publicado no Jornal da Cidade, Bauru/SP, p. 02, em 06 mar. 2014.